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Em meio a dúvidas, 470 mista tem duplas opostas em busca de afirmação

Ana Barbachan tem três olimpíadas com o barco, mas agora enfrenta desafio da mudança de parceria. Já Juliana Duque e Rafael Martins competem juntos há cinco anos, porém estão iniciando na nova classe

Juliana Duque Rafael Martins vela 470 mista
Juliana e Rafael (Fred Hoffmann/CBVela/arquivo)

Tudo ainda é muito novo na classe 470 mista de vela. A compreensão da melhor forma de montar a tripulação, como os barcos vão desempenhar com um atleta de cada naipe, duplas recém formadas com experiência olímpica, outras já velejando juntas há alguns anos, porém dando os primeiros passos nessa embarcação. Ana Barbachan e Rodrigo Duarte é uma das que está começando a velejar junta, mas com a experiência de três Jogos Olímpicos na 470. Juliana Duque e Rodrigo Martins já dividem o barco há cinco anos, porém só há alguns meses nesta classe.

A 470 mista é uma das três classes que estreiam em Paris-2024 no programa olímpico. Ela, porém, não é totalmente nova, visto que é uma mescla da 470 feminina com a masculina, categorias que figuraram nos Jogos entre os anos 1970 e Tóquio-2020. Ana Barbachan esteve em três deles, Londres-2012, Rio-2016 e na capital japonesa, sempre ao lado de Fernanda Oliveira. Em todas a dupla chegou na Medal Race, a última regata, que reúne apenas as dez melhores da competição para disputar as medalhas. Juliana Duque e Rodrigo Martins ainda não foram à uma Olimpíada e competiram sempre na classe Snipe, que não faz parte do programa.

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Sincronia em um barco novo

Juliana, de 26 anos, e Rodrigo, 40, têm história no Snipe. Começaram a competir em 2016 visando os Jogos Pan-Americanos de Lima-2019 e ficaram com a medalha de bronze no Peru, coladinhos na de prata, com apenas um ponto a mais no resultado final. “Foi um campanha de sucesso, conseguimos o bronze e, depois do Pan-Americano, coincidentemente o 470 se tornou misto e aí a gente resolveu fazer a campanha olímpica”, explica Juliana. “Estamos na classe (470 mista) para fazer a campanha olímpica”, deixa bem claro. Ela conta que já projetava em ir para o 470 e procurar uma mulher para ser sua proeira, ela é timoneira, mas, como diz, deu sorte que virou misto. “Ficou perfeito, faço com o meu marido, temos uma sintonia muito boa na água.”

Se o entrosamento é uma vantagem da dupla, a desvantagem está falta de experiência com a embarcação, mesmo ela sendo parecida com a usada na Snipe. “Tem o mesmo tamanho, mas o 470 é um pouco mais técnico, tem uma terceira vela, que é o balão. É mais leve, mais rápido. A velejada é muito diferente, a forma de velejar, como tocar o barco. O Snipe é uma filosofia um pouco mais antiga, o 470 é mais moderno. O ‘basicão’ é um pouco parecido, mas o 470 é mais minucioso”, detalha. A função da vela balão é dar velocidade, serve para os ventos de popa, os que vem por trás do barco.

Em outubro, os dois foram para Ilhabela competir na Copa Brasil de Vela, a segunda competição deles juntos na nova classe. A primeira foi a Copa Brasil do ano passado. Passados os dois primeiros dias, eles lideravam o campeonato depois de vencer cinco das seis regatas realizadas até então. Estavam descartando um quarto lugar e, portanto, somavam cinco pontos perdidos. Em segundo lugar apareciam Ana Barbachan e Rodrigo Duarte, com quatro segundos lugares e um terceiro. Estavam descartando a primeira regata, quando não competiram. Somavam, portanto, onze pontos perdidos.

Experiência em busca de sincronia

Ana Barbachan e Rodrigo Duarte, juntos, somam cinco Jogos Olímpicos, sendo as três dela com o barco da 470. As dele foram em Atenas-2004 e Pequim-2008 na 49er, embarcação também para duplas, mas masculinas. Para eles, o desafio não está exatamente no barco. “Velejo de 470 desde 2009, sempre com mulheres e sempre com a mesma timoneira (Fernanda Oliveira). A gente tinha um grande entrosamento, já éramos uma dupla veterana, experiente, nos conhecíamos muito bem. Então para mim está sendo um desafio, tanto por conta da configuração da tripulação, velejar com homem, quanto trocar de parceria. São duas mudanças.”

Ana Barbachan Rodrigo Duarte vela 470 mista Copa Brasil de Vela
Ana Barbachan Rodrigo Duarte (Caio Souza/CBVela)

O novo parceiro, palavras dela, é um velejador mais experiente, tem 40 anos. Ana tem 32. Uma das questões ainda sem muita definição é quem fica melhor em qual posição, se homem de timoneiro, mulher de proeira ou o inverso. “Temos de ver o que vai ser mais benéfico, um timoneiro ou uma timoneira. São coisas que o tempo ainda vai mostrar, conforme as pessoas e a classe internacional forem se reorganizando, por mais que seja o mesmo barco desde a década de 70.” Mas não é só isso. “A regata dos homens era mais agressiva, as mulheres, menos impulsivas e, de repente, conseguem manter mais uma média. Ambos tem pontos fortes e fracos. O segredo vai ser conseguir ressaltar, de ambos, as partes fortes e ir agregando na tripulação”, diz Ana Barbachan. “É muita coisa para trabalhar.”

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A velejadora entende que as dúvidas não se resumem ao Brasil. “Tá tudo meio em dúvida, acho que até internacionalmente ainda vai estar bem dividido. Tinham muitos velejadores bons do masculino e muitos do feminino. Muita gente vai querer continuar no 470, então vai ter muito timoneiro e muita timoneira. Teremos de ver em termos de resultado o que vai ser mais benéfico”, diz. “Eu tava acompanhando o campeonato nacional italiano de 470. A dupla que ganhou era um timoneiro e uma proeira. Os dois eram olímpicos, tinham ido para as duas edições dos Jogos e se juntaram. O caminho deles é bem mais fácil, os dois já velejavam, já eram bem experientes e agora tem de ter o entrosamento da dupla, mas o conhecimento da classe eles já tinham.”

Força para o mesmo lado

A escolha de Rodrigo Duarte, que contou com a ajuda de Fernanda Oliveira, teve como pilar o alinhamento do objetivo. “São várias coisas que tem de pontuar, mas uma coisa que depois de um certo tempo vivendo essa vida eu priorizo é a questão do objetivo estar muito alinhado, por mais que a gente seja diferente, tenha dificuldades. Seja numa dupla, seja num trio, independente do barco que tu for velejar. Quando é uma tripulação, as pessoas têm de estar fazendo força para o mesmo lado. Não adianta ter dois excepcionais velejadores correndo para caminhos opostos. Não faz muito sentido.”

Outra questão é a seriedade. Não basta querer velejar, pois, segundo ela, a campanha olímpica pede determinação e resiliência. “Quem não viveu uma campanha olímpica às vezes acha: ‘ah, que legal, vamos velejar’. Mas não é assim tão simples. Muitas pessoas não têm a noção do que é. Tem a parte bonita, que se vê, se conta, mas a trabalhosa muitas vezes não se sabe. Essa experiência de saber que é um processo de longo prazo, onde tem de ter muita dedicação.”

Hora de treinar

A parceira com Rodrigo Duarte na 470 mista é bem recente. Ela voltou de Tóquio no início de agosto e alguns dias depois ambos começaram a treinar juntos. A Copa Brasil de Ilhabela é a primeira competição que fazem juntos. Assim que acabar, eles vão novamente focar no tempo de barco juntos. “É treinar muito, muita transpiração, suor, para conseguir ter o barco na mão, se sentir confortável velejando”, diz. Competições, especialmente as de alto nível, ainda não são o foco. “Conforme formos ficando mais à vontade dentro do barco, é começar a ir para fora para ver o que vamos encarar. Uma coisa é a realidade nacional, bem diferente da internacional”, diz. “Pensamos em fazer um período na Europa, no final de março e início de abril, que é o começo da temporada. Ficar um período lá, treinar e depois tem o Mundial em outubro de 2022.”

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e Santiago

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