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Seleção Brasileira

Laís Souza: “Não tenho vergonha de falar sobre tudo o que eu passo”

Sabe aquele dia em que você acorda meio irritado sem saber o motivo e aí briga com a mulher, dá bronca no filho, discute no trânsito, enfim, reclama de tudo? Pois toda a vez em que acordar assim deveria mirar-se no exemplo da ex-ginasta e esquiadora Laís Souza. Em janeiro do ano passado, às vésperas de disputar os Jogos Olímpicos de inverno em Sochi (RUS), ela sofreu um acidente em um treino e acabou ficando tetraplégica.

Uma tragédia sem proporções e que muda completamente a vida de qualquer pessoa. O que dirá então de alguém que se acostumou a ganhar a vida fazendo movimentos considerados impossíveis com o corpo, mas que agora precisa aceitar, presa a uma cadeira de rodas, as pequenas vitórias de cada dia. Nesta terça-feira, Laís falou sobre sua recuperação e seus projetos futuros como convidada do segundo debate Abril no Rio, iniciativa da editora Abril para já engajar o público para os Jogos Olímpicos de 2016. Os eventos são abertos para o público.

Laís Souza participa do debate ao lado de Fábio Altman (esq) e Sérgio Xavier. Crédito: Flavio Santana/Abril

Laís Souza participa do debate ao lado de Fábio Altman (esq) e Sérgio Xavier. Crédito: Flavio Santana/Abril

“Antes do acidente, se eu tinha um compromisso cedo, acordava 20 minutos antes e saia de casa. Agora, quando eu tenho que ir para a fisioterapia, preciso acordar pelo menos três horas antes. Para fazer um xixi, eu demoro 20 minutos”, disse Laís, que durante cerca de duas horas, falou de uma forma absolutamente serena e tranquila sobre um drama absolutamente terrível. E o que é mais importante, sem mostrar nenhum aspecto de auto piedade ou tristeza.

Laís Souza participou do debate ao lado dos jornalistas Sérgio Xavier, coordenador editorial do projeto, e Fábio Altman, redator-chefe de Veja, tendo como tema principal “Buscando o que parece impossível”. Na verdade, impossível foi não ficar emocionado com as palavras de Laís. Abaixo, os principais temas do debate:

Troca da ginástica pelo esqui

“Em 2013, eu já estava parando com a ginástica quando recebi um convite da CBDN [Confederação Brasileira de Desportos na Neve] para participar de uma seletiva. Eles queriam ginastas para participar do esqui aéreo. Como eu gosto de aventura, me joguei para valer. Os primeiros saltos foram na água, me machuquei bastante, mas apesar de não ter sido fácil, a adaptação até que foi rápida. Logo vieram competições e até medalha ganhei”.

O dia do acidente

“Lembro que era um dia ensolarada, o gelo estava fino. Eu e a Josi [Josi Santos, a outra integrante da equipe do esqui aéreo] saímos para fazer um treino de freio. Lembro que foi um bom treino. No final, a gente descia a montanha e me lembro de ter dito para ela ‘venha de lado’. Depois disso, não lembro de mais nada. Tenho vagas lembranças de ter entrada no helicóptero e pedindo ajuda para meu técnico, mas depois desmaiei”.

O diagnóstico

“No hospital, após ser medicada, os médicos me falaram que talvez eu não pudesse mais me mexer. Naquele momento, sentindo aquela dor que eu nunca havia sentido antes na vida, eu não parei para pensar que ficaria tetraplégica. Mas eu estava entubada, tinha dificuldades para falar e não acreditava que não conseguia fazer pequenas coisas. Eu dizia para minha mãe que queria ter o celular na minha mão, por exemplo. Mas aos poucos consegui deixar tudo isso de lado e me concentrar nos mini problemas e comemorar as grandes vitórias, como foi quando eu passei a respirar sozinha e conseguir comer sozinha”.

“Esse dia em que larguei o respirador, eu cantei na UTI durante 5h, para ajudar a expandir o meu pulmão. Essa foi uma das minhas grandes vitórias”.

As dificuldades na recuperação

“Quando eu voltei ao Brasil, esperava que as pessoas me encarassem de uma forma diferente, até com um pouco de preconceito, mas não foi isso que eu vi. Porém, as dificuldades são grandes, é claro. Eu demoro pelo menos 20 minutos para ir ao banheiro. Se eu tenho um compromisso cedo e quero tomar banho, tenho que acordar pelo menos três horas antes. Faço três horas de fisioterapia por dia.”

“Não me incomoda de forma alguma falar do meu problema. Acho que o cadeirante tem que sair de casa, se mostrar para o mundo. Tem que passar por esta experiência mesmo. Tudo o que eu sei hoje sobre a minha condição aprendi com outros cadeirantes”.

“Minha recuperação é meu maior prêmio, maior do que qualquer medalha que eu tenha conquistado em minha vida”.

Vida social agitada

“Eu saio bastante, vou a bares com amigos, mas tem todo um ritual, pois eu ligo antes para saber se o lugar tem rampa de acesso à cadeira, se o local é espaçoso, pois a cadeira é grande, mas sempre saio com vários amigos”.

“Eu não tenho tantos aparelhos tecnológicos assim. Tentei usar um tablet que funcionasse com a minha voz ou com o movimento dos olhos, mas não consegui me adaptar, é muito lento. Agora, eu uso um sitck com um touch na ponta e com a boca fico escrevendo. E vai bem rápido, viu?”

Futura atleta paraolímpica?

“Ainda é muito cedo para falar, pois depende de como irá avançar a minha recuperação, mas estou começando a conhecer a bocha adaptada. Sei que [e uma modalidade que não exige movimentos dos braços, só com a cabeça eu consigo movimentar a bola na rampa. Quero conhecer um pouco mais e quem sabe eu não seja uma paratleta? ”

Maior sonho

“Outro dia eu falei brincando, mas meio sério, que gostaria de entrar no estádio na abertura dos Jogos andando. Sei que o caminho ainda é muito longo, ainda espero ver os resultados dos estudos com células tronco evoluam cada vez mais. Porém, a minha motivação agora é lutar para que em algum momento eu possa recuperar algum movimento, nem que seja de um dedinho. ”

Planos para o Rio 2016

“Quero muito ver as competições de ginástica artística, é claro, além de outras que eu nunca conseguia ver porque estava competindo, como vôlei, saltos ornamentais e handebol”.

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