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Bruno Lima busca chegar em Paris velejando em seu tapete voador

Atleta da Fórmula Kite, classe que vai estrear no programa olímpico na capital francesa, tranca faculdade, procura treinador e vai passar seis meses na Europa visando brigar por uma vaga nos Jogos

Bruno Lima Fórmula Kite Paris-2024
(facebook/Bruno-Duarte-Lima)

Tudo começou em meio a uma festa que o pai organizou em uma guarderia de São Luís da Maranhão. O dono da guarderia, local onde se abriga embarcações e equipamentos de vela, chegou para os dois garotos que acompanhavam o pai e perguntou se eles não queriam fazer kite. Ambos aceitaram de pronto, sem pestanejar, e dez anos mais tarde um deles, Bruno Lima, intensifica treinamentos e tenta melhorar a estrutura de preparação visando chegar aos Jogos Olímpicos de Paris-2024 na Fórmula Kite, uma das três classes que estreiam no programa olímpico justamente na capital francesa.

“Na primeira vez eu tava muito nervoso. Entrei nas costas do meu professor, brincando. Ele caiu lá no meio do mar para saber se eu ia ficar tranquilo, se sabia nadar direito. Queria ver se eu tinha medo. Eu sempre fui muito tranquilo, graças a Deus nunca passei por nenhum perrengue dentro d’água. Deu tudo certo”, lembra. As primeiras navegações foram com 11 anos, nas férias escolares, com um equipamento diferente do usado na Fórmula Kite. “Era uma brincadeira, mas ia todo dia. São Luís é uma ilha, então é tudo muito perto. Eu morava a cinco minutos da praia e ia sempre com o meu irmão. Ele começou primeiro, um mês antes, e me incentivou. Minha mãe deixava a gente na praia umas 8h30 e buscava no final de tarde.” O irmão é Marcelo Lima, mais velho, hoje com 24 anos. Bruno tem 21.

Logo as férias acabaram, mas o desejo de velejar, não. “Na aula, ficava olhando pela janela para ver se estava tendo vento. Acabava a aula e ia direto pra praia. Tinha e conciliar o estudo com o esporte. Estudava na parte da manhã e na parte da tarde treinava. Almoçava na praia e ia treinar. Todos os dias, sem exceção, de segunda a segunda.” Bruno Lima destaca que começou com uma pipa, o kite, de quatro metros quadrados. Hoje usa uma de quinze. “É de acordo com o peso, eu era muito leve.”

Tapete voador

O ano era 2011, novembro, dezembro. No final de 2012 ele competiu o campeonato maranhense na categoria inciante e ficou em segundo lugar. Em 2013 foi campeão da adulto e repetiu o feito no ano seguinte. “Comecei a levar a sério. Ganhei o maranhense e depois passei para o foil. No ano que eu entrei no foil (2017), competi no kite tubular, que tem a pipa normal com a prancha foil. No primeiro ano já fui campeão (Brasileiro). Assim que fui campeão passei para a outra categoria (2018), a Fórmula Kite, que é a pipa foil e a hydrofoil em baixo e comecei a levar mais a sério porque havia a possibilidade de entrar na Olimpíada.”

Em linhas gerais, a Fórmula Kite é composta por dois equipamentos. Uma pipa e uma prancha, com uma particularidade em cada um deles. A chamada pipa foil, diferentemente da tubular, que tem uma estrutura armada, possui uma estrutura que forma ‘cápsulas’ para a entrada de ar. Com o sopro do vento, essas cápsulas inflam e dão forma à vela, permitindo que ela voe. Já a prancha é equipada com o hydrofoil, uma espécie de quilha grande que, conforme a velocidade aumenta, faz com que a prancha fique alguns bons centímetros acima da linha d’água (veja no vídeo abaixo como é). Foi isso que conquistou o coração de Bruno Lima, assim que o ‘brinquedo’ foi apresentado a ele pelo xará e conterrâneo Bruno Lobo.

“O Bruno Lobo sempre me chamou para competir. Eu não ia. Ele falava que ia entrar para a Olimpíada, mas eu ainda não estava a fim. Um dia ele chegou lá e eu vi ele velejando. O ‘negócio’ flutuava, parecia um tapete voador e eu gostei. Comprei uma prancha de um rapaz de João Pessoa, vendi todos os meus kites normais, porque a prancha é bem cara. Fiquei só com um kite e a prancha. Comecei por incentivo dele”, conta.

A coisa ficou (mais) séria

No começo de 2018, Bruno Lima, abraçou com tudo a nova classe. “Comecei a levar mais a sério porque havia a possibilidade de entrar na Olimpíada. Eu sempre quis ser atleta olímpico e venho treinando para isso.” No final do semestre passado, trancou a faculdade de odontologia, curso que já estava no segundo ano, e agora a vida resume-se em treinos. “De manhã e de tarde, todo dia. Além de academia à noite.” Treina apenas com dois colegas, ainda não foi possível colocar um treinador, mas já há um planejamento orçamentário para isso. “Tem de ter nesse nível”, diz, já com alguns nomes no horizonte. Ele ressalta ter apoio do governo do estado do Maranhão e do frigorífico Fribal.

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Outra medida que enxerga essencial é fazer intercâmbio fora do Brasil. Esse ano já conseguiu ir para o Pan-Americano na República Dominicana, ficou em quinto lugar, mas a intenção mesmo é ir para a Europa. “Ano que vem pretendo passar um semestre lá fora só competindo. França, Itália, Alemanha…Tem mais competição e os atletas do topo do mundo estão lá. Se a gente treina com alguém pior que a gente, tende a regredir. Se treina com quem é melhor, tende a evoluir”. Além disso, explica que as marcas de kite são de fora, então, segundo ele, isso ajuda a conseguir regulagens melhores tanto no kite quanto do foil. “No Pan-Americano o pessoal tinha diferença de ângulo de velejo muito maior, por conta que eles tem pessoas de dentro da fábrica, que sabem como o kite funciona melhor. A gente tem de ir testando, na base do ‘vou mexer aqui para ver se dá certo’. Eles recebem tudo pronto.”

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Bruno Lobo é líder do ranking mundial (@onboardsports)

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Inspiração e adversário

Com o planejamento já bem esboçado, o próximo passo é colocá-lo em prática para chegar na ponta dos cascos quando a seletiva olímpica vier. Nela estará, talvez, o maior obstáculo. Bruno Lobo, o mesmo que lhe apresentou a Fórmula Kite e que hoje é um dos maiores do mundo nela. A disputa colocará Bruno Lima diante de uma de suas maiores inspirações no esporte, ou até a maior. “Ele é muito focado. É impressionante. Treina todo dia, mesmo fazendo medicina, sendo médico. Quando não dá pra treinar no kite, treina na academia. É um atleta do topo. Se ele representar o Brasil, se não for eu, sei que vai representar da melhor forma”, diz. Admiração, ressalte-se, é fora da água, dentro, é um rival a ser superado. “Hoje em dia quem ele está na frente, mas eu estou treinando forte para tentar deixar ele pra trás. Sonho em ser medalhista olímpico, ouro, não só participar. Mas sei que tenho de treinar muito ainda”, finaliza.

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e Santiago

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