Siga o OTD

Santiago 2023

Esquerda gigante foi desafio no surfe e serviu de ensaio olímpico

Tati e Chloé, os dois maiores nomes do Brasil nas finais do Pan, colocaram as condições em Punta de Lobos como uma das mais desafiadoras que já enfrentaram. Tati falou em amostra para a Olimpíada

surfe Pan de Santiago Punta de Lobos
(Heuler Andrey/Santiago 2023 vía Photosport)

Pichilemu – O cenário é de assustar mesmo. De um dos morros que cercam Punta de Lobos, um dos picos mais famosos do surfe mundial, é possível ver a potência do mar onde foi realizado o torneio de surfe dos Jogos Pan-Americanos de Santiago. Não só pela ondulação grande e pesada, mas também pelo movimento e intenso do mar, indo e voltando, quebrando com força nas pedras que o cercam. Sem contar o vento e as baixas temperaturas. Foi ali que o Brasil conquistou, nesta segunda-feira (30), cinco medalhas, uma de ouro, com Tati Weston-Webb, três de prata e outra de bronze.

“Foi uma das condições mais difíceis que competi na minha vida. Muito ‘bump’, muito ‘backwash’, não tem muitas ondas boas, alinhadas para fazer manobras. Era eu e deus na água”, disse Tati Weston-Webb, um dos maiores nomes do surfe mundial, vice-campeã do principal circuito profissional da modalidade em 2021 e, até por isso, frequentadora assídua dos picos mais desafiadores que existem no planeta. “Nem tinha prancha grande o suficiente para entrar na água. Tive de pegar uma do Marquinhos Correa, uma 6,3. Sem ela, não iria conseguir entrar em nenhuma onda”, acrescentou, sempre falando sobre as condições da final do Pan. “Graças a deus deu tudo certo, ele me deu essa última onda no final. Quase caí no começo, mas daí deu uma sessão muito boa, para dar uma manobra super boa. Muito feliz que consegui. Foi super difícil.”

surfe Pan de Santiago Punta de Lobos
(Heuler Andrey/Santiago 2023 vía Photosport)

Ensaio olímpico

Além de estar feliz com a medalha de ouro, vencer nesse cenário teve outro detalhe. “Essa medalha de ouro aqui nos Jogos Pan-Americanos é muito importante primeiramente porque no ano que vem tem a Olimpíada e é uma esquerda grande igual. Então foi um ótimo ensaio”, afirmou Tati, enrolada na bandeira brasileira logo após deixar o mar onde havia se sagrado campeã. “Me motiva bastante pro Taiti. Um grande sonho meu é ganhar uma medalha na Olimpíada e estou tentando alcançar”, disse, referindo-se ao local onde irá ocorrer o surfe de Paris 2024. “É uma honra sempre estar ao lado do meu time, representando o Brasil, batalhando do lado deles para mais conquistas”, completou.

Tatiana Weston-Webb Tati Weson-Webb medalha de ouro surfe Pan de Santiago Tati Weston-Webb
(Jorge Loyola/Santiago 2023 vía Photosport)

Perrengues

Se na pranchinha tava difícil pra Tati Weston-Webb, no longboard não foi diferente para Chloé Calmon. A carioca da praia da Macumba foi ao Chile atrás do bicampeonato, pois levou em Lima 2019. Foi quase. Ela vencia Maria Fernanda Reyes na final até os últimos segundos, quando a peruana achou a onda que permitiu manobras decisivas. “Meu objetivo aqui era fazer a dobradinha e conquistar o ouro para o Brasil, sem dúvida, mas fiquei com a prata em condições bem extremas. Arrisco a dizer que foram as condições mais extremas que já competi. Água muito gelada, mar grande, correnteza, a logística de jet ski. Ali no final, no último minuto, na última onda, a Maria Fernanda acabou tirando a nota que precisava.”

Chloé Calmon medalha de prata surfe Pan de Santiago
Chloé Calmon (William Lucas/COB)

“Prata é um resultado muito bom. Estou bem feliz. Me puxei nos meus limites todos os dias e sei os perrengues que passei nos treinos e na competição. É uma honra poder surfar pelo Brasil, é o que me motiva”, acrescenta. Diferentemente de Weston-Webb, Chloé não vai estar em Paris 2024 porque o longboard ainda não está no programa olímpico. Algo que ela espera ver mudar em breve. “É muito legal ver esse esporte crescendo, recebendo toda essa notoriedade. Os Jogos Pan-Americanos são o maior evento esportivo que o longboard faz parte. Estamos com um pé nos Jogos Olímpicos, que é o meu sonho de vida.”

Chloé falou também sobre as vantagens e desvantagens de surfar de prancha grande em condições similares a que enfrentou em Punta de Lobos. “Um dos prós é que por ter uma prancha maior, a remada facilita. Hoje lutar contra a correnteza não era uma tarefa fácil, então a prancha grande facilitou, nesse caso. Só que na onda em si, a onda muito balançada, com muito quebra-mola (bump), fica mais difícil de controlar. Principalmente caminhar no bico, que são as manobras que mais dão ponto”, explicou. “Todo mundo que se classificou para as finais e entrou nessas condições bem extremas, todos são campeões porque testaram os limites e elevaram o nível do esporte.”

SUP Surfe

As outras duas pratas vieram com Luiz Diniz e Aline Adisaka no SUP Surfe, modalidade em que o atleta pega onda com um remo. Para Luiz, a maior dificuldade não foi o tamanho das ondas. “Amanheceu grande o mar hoje, tava liso, dava pra surfar boas ondas. Mas justo na minha bateria, bateu um vento muito forte, com correnteza. Exigiu muito da parte física. A escolha de onda foi difícil e não consegui escolher boas ondas e isso comprometeu. O tamanho não foi nem a grande dificuldade, foi o vento. Ventou muito e acaba bagunçando muito a condição. Se não fosse isso, não seria muito difícil.”

Luiz Diniz medalha de prata surfe de Santiago
Luiz Diniz (William Lucas/COB)

Mas Luiz saiu com a sensação de dever cumprido. “Na minha primeira participação, em Lima, o mar me varreu, altos contratempos e nem consegui medalha. O sentimento dos últimos Jogos Pan-Americanos, de não ter conseguido conquistar a medalha, me motivou muito. Agora, sem sombra de dúvidas, buscar o ouro vai me motivar mais ainda. Sei que não cheguei onde queria, mas estou muito próximo”, disse. “Trouxe a medalha e um presente para a minha filha. Tô bem amarradão. A medalha vai para a minha família, minha esposa e minha filha, e para todos os meus amigos lá do Guarujá”, falou o pai da pequena Isis. “Vou dar o ursinho que a gente ganha lá no pódio. Já dei o dos Jogos Sul-Americanos, vou dar outro”

Superando desafios

Aline também estava feliz com o resultado no Pan, até porque teve de superar uma lesão que a tirou do mar por muito tempo. “É sempre uma honra representar o nosso país e chegar em uma final. Então estou muito agradecida. Claro que a gente sempre luta pelo ouro, mas todo o processo que o atleta chega para conseguir uma medalha é uma vitória pessoal. Me sinto uma campeã. O oceano hoje quis que a minha amiga Isabela Gomes fosse a campeã e está tudo bem”, disse. “Tive uma lesão no ombro, fiquei quatro meses sem surfar e foi um processo duro para voltar. Graças a Deus tenho um fisioterapeuta incrível, uma equipe incrível. Minha equipe é ouro e sou muito feliz de poder representá-los também.”

Aline Adisaka medalha de prata Pan de Santiago
Aline Adisaka (William Lucas/COB)

No terceiro lugar do pódio subiu Carlos Bahia, um veterano de 40 anos emocionado com o que viveu em Punta de Lobos. “Estou feliz, mas ao mesmo tempo estou triste. Não tem como. Agradeço a todos que me ajudaram até hoje, ajudam. Obrigado, Brasil”, disse, com voz embargada logo ao sair do mar no encerramento de sua participação no surfe do Pan.

Carlos Bahia medalha de bronze
Carlos Bahia (William Lucas/COB)

“Não foi o resultado que eu esperava, mas realizei um sonho. Estar no ciclo olímpico, o segundo maior evento esportivo do mundo. Aos 40 anos estar aqui competindo com os moleques de 20, 21, 22 anos. Vida de atleta dentro do Brasil não é fácil. Hoje podemos agradecer que o surfe está entrando no ciclo olímpico, com fé em deus minha modalidade vai estar em 2028”, acrescentou, antes de avisar a filha Aila, ainda bebê, que estará levando para casa uma medalha. “Filha querida, papai tá levando a medalha. Não é aquela brilhosa que a gente tava conversando, mas papai vai levar uma pra você.”

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e Santiago

Mais em Santiago 2023