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Elas fizeram o impossível: Brasil campeão mundial

Há cinco anos, a Seleção Brasileira feminina de Handebol vencia a Sérvia, por 22 a 20, e conquistava o mundo. Relembre!

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“Celebrar, como se amanhã o mundo fosse acabar”. O mundo não acabou, mas em 22 de dezembro de 2013, em Belgrado, na Sérvia, o mundo do handebol feminino virou brasileiro. Há exatos cinco anos atrás, a música, que ficou conhecida com a Banda Jammil, foi a trilha sonora durante toda a participação da Seleção Brasileira no Campeonato Mundial na Sérvia. “Tentamos mostrar para as meninas que cada passo tinha que ser comemorado. Seja a vitória contra a Argélia na primeira rodada. Seja a da final”, comentou Morten Soubak, então técnico da equipe.

Dezesseis dias de jogos, nove partidas e nove vitórias. Um fantasma gigante derrubado. O Brasil conquistou o título e Duda Amorim ainda foi eleita a melhor jogadora da competição. Esse é o saldo da Seleção no Campeonato Mundial de handebol feminino de 2013. “Conseguir dar uma medalha para o Brasil e conseguir colocar o país como o segundo país não europeu a ser campeão do mundo (o primeiro foi a Coréia do Sul em 1995) é a maior alegria da minha vida como técnico de handebol”, sintetizou Morten Soubak.

Foto: Divulgação

Mas para que pudesse celebrar após o fim do jogo do dia 22 de dezembro, em Belgrado, a caminhada começou antes, em outro país e da pior maneira que a comissão técnica do Brasil poderia imaginar. “Fizemos a preparação para o Mundial na Polônia e eu posso te dizer que foi a pior de todas preparações que eu fiz com a equipe. Não pelos treinamentos e pelas jogadoras, mas pelos problemas que tivemos. Durante alguns dias tivemos que alterar e até cancelar treinos, porque das 16 jogadoras só nove poderiam treinar”, disse Morten Soubak.

Na parte final da preparação para a competição, o Brasil jogou dois amistosos contra a Polônia, acabou derrotado nos dois, mas para a comissão técnica os jogos mostraram que houve uma melhora e existia expectativa para o Mundial. Nele, a chave para a equipe brasileira foi a ordem dos jogos, mesmo tendo Sérvia e Dinamarca na chave, que poderiam ser consideradas favoritas, as brasileiras estreavam contra a Argélia e enfrentavam a China na segunda rodada.

“Todos as seleções entram nas competições querendo crescer a cada partida. Apesar da preparação não ter saído da maneira que nós imaginávamos, esse dois jogos deram a confiança que cada uma das meninas precisava para seguir no Campeonato Mundial de Handebol feminino”, comentou Alex Aprile, então assistente técnico da Seleção Brasileira.

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Apesar de muito se falar dos jogos decisivos, para o assistente técnico do Brasil teve uma partida, bem antes da fase mata mata da competição, como fundamental para a conquista. Após as duas primeiras partidas, em que a Seleção Brasileira teve, em teoria, os adversários mais fracos da chave, o terceiro jogo era a primeira final.

“A partida contra a Sérvia na fase de grupos, pra mim, foi a mais importante. Porque provou que poderíamos jogar contra todos e fez a equipe mudar de chave no Mundial. Lembro que nas conversas prévias da partida entre a comissão, a meta pro jogo era disputar de igual para igual até o fim. Faltando cerca de dez minutos para o fim estávamos empatados com elas e buscamos a vitória, que veio”, comentou Alex.

A queda do fantasma 

Depois da vitória contra as donas da casa, o Brasil ainda enfrentou Japão e Dinamarca, conseguindo mais duas vitórias. A Seleção terminou invicta a primeira fase do Mundial de Handebol feminino de 2013 e na liderança do grupo B. Nas oitavas de final mais uma vitória, agora, contra a Holanda, por 29 a 23, e a volta de um fantasma.

Com Morten Soubak, se tratando de campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos, o Brasil mostrava uma melhora em suas colocações, mas não conseguia chegar entre os melhores. O mundial de 2011, realizado em casa, era tratado como a chance para derrubar essa barreira. Depois de uma primeira fase com 100%, incluindo uma virada heroica contra a França, as brasileiras passaram com tranquilidade pelas oitavas de final. Na fase seguinte, contra a Espanha, o jogo não entrou e a derrota veio, por 27 a 26.

Nas Olimpíadas de Londres, em 2012, o Brasil repetiu o primeiro lugar de seu grupo, com partidas bem jogadas. Nas quartas de final, mais uma vez, após um primeiro tempo excelente de toda a equipe, o Brasil caiu, sofreu um apagão nos 30 minutos da segunda etapa e acabou sofrendo a virada da Noruega e voltou para a casa mais cedo sem a chance de disputar uma medalha.

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Na Sérvia, o fantasma bateu na porta mais uma vez. Mais uma campanha sem erros, mais uma quartas de final e a Hungria pela frente. Para a capitã Dara era claro que o clima tinha mudado, era fato que o fantasma de mais uma eliminação estava presente.

“Tinha alguma coisa diferente e a gente sabia o que era. Tinha o medo de perder sabendo que podíamos mais. O que mudou para aquela partida foi o trabalho psicológico de toda a comissão técnica e principalmente da Alessandra (psicóloga da Seleção Brasileira). Lembro que ela nos fez colocar pra fora tudo que nos deixava com medo. Não só as quartas de final, mas tudo que nos deixava apreensiva e entramos em quadra mais leves, sabendo qual era o tamanho do jogo”, comentou a capitã do Brasil no Mundial.

Na partida em si, Hungria e Brasil fizeram o que se esperava deles. Durante os 60 minutos, as duas Seleções se alternaram na liderança do placar, não conseguindo mais de dois gols de diferença durante todo o tempo, e terminando o tempo regulamentar empatados em 26 a 26, forçando a prorrogação. Nela, a Seleção Brasileira foi grande, teve um pouco de sorte no último gol marcado, quando a bola entrou após pegar nas costas da goleira antes de entrar, mas saiu com a vitória por 33 a 31, derrubou o fantasma e estava entre as quatro maiores do mundo.

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“Lembro de tudo desse jogo, absolutamente tudo, mas três coisas me marcaram. A primeira foi que eu joguei com uma camisa sem o meu nome das costas e que eu tomei bronca e o Brasil foi multado por isso. A segunda era a minha certeza que nós iríamos vencer e a última de eu olhando para a Duda Amorim durante toda prorrogação e gritando com ela e ela comigo que a Hungria não ia passar, que nós não íamos de forma alguma tomar o gol”, disse Dara.

Um dinamarquês com raiva da Dinamarca

Com a vaga entre os quatro melhores do Mundo veio a definição do adversário, mais uma vez: a Dinamarca. Mas além de se tratar de um confronto por uma das vagas na final da competição, para Morten Soubak a atitude de jogadoras, comissão técnica e até imprensa do lado dinamarquês irritou.

“O que eles fizeram eu não achei certo. Pra mim, você pode achar que seu time vai ganhar um jogo porque está melhor que o adversário, porque tem mais capacidade em alguns pontos do jogo, tem jogadores melhores, mas falar que vai ganhar porque seu oponente é ruim, é limitado, porque já jogou contra ele e sabe o que fazer para ganhar é falta de respeito”, disse o técnico do Brasil.

Vendo todo esse posicionamento das adversárias, o técnico brasileiro agiu. Morten imprimiu cerca de 10 edições de jornais da Dinamarca do dia e da véspera da partida contra o Brasil e colocou cada um deles na sala de vídeo. Traduziu o que estava escrito para que todas as jogadoras e comissão técnica brasileira vissem e entendessem o que estava sendo feito com a nossa equipe.

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“Eu tinha que tentar mexer com elas. Eu estava irritado e elas tinham que saber o que achavam delas. Hoje, eu posso dizer com total tranquilidade, a semifinal contra a Dinamarca foi o melhor jogo do Brasil sob meu comando. Durante os primeiros minutos, que dava para ver a determinação de cada jogadora deu gosto de ver o que elas estavam fazendo em quadra”, comentou o técnico.

A vitória veio de maneira bem mais tranquila do que na partida das quartas, com um 27 a 21, o Brasil venceu a Dinamarca e se garantiu na decisão do Campeonato Mundial de Handebol feminino de 2013 para enfrentar a Sérvia.

A partida que começou no vestiário

“Eu tinha na cabeça que se o Brasil alcançasse o objetivo (que era ficar entre os quatro) eu iria fazer algo com medalha pra motivar, ou usando o ouro ou o bronze, mas não tinha ideia do que seria até a véspera. Elas tinham o ginásio, a casa, a torcida de mais de 20 mil pessoas que não paravam de gritar, eu precisava fazer alguma coisa. A pivô delas (Cvijic) incomodava demais as meninas. Então pedi para a comissão arrumar uma medalha de ouro, algumas que lembrassem a prata, um agasalho vermelho (em alusão ao da Sérvia),  coloquei o número da pivô nas costas e fiz o que fiz”, disse Morten sobre o vídeo no vestiário do Brasil na final (que você pode ver aqui).

O técnico do Brasil fez o que podia para motivar as meninas para a decisão. A reação de toda a equipe era o que o treinador desejava, que as brasileiras, já ali no vestiário mesmo, brigassem por aquilo que queriam, que desejavam. “Eu demorei um pouco para entender o que o Morten queria, mas quando eu entendi, eu queria matar ele”, disse Dara.

Na partida, Duda Amorim teve algumas dificuldades para passar pela forte marcação da Sérvia. Nas grandes apresentações do Brasil, a jogadora vinha se destacando e sendo cotada para ser eleita a melhor do torneio, o que realmente ocorreu. Com isso, o técnico do Brasil chamou para a quadra a caçula daquele grupo. A pernambucana Hannah, de apenas 1,59m e 20 anos, foi para a quadra e correspondeu.

“Lembro do Morten me chamar e me colocar no lugar da Duda. Logo eu com meus 20 anos entrando na final de um Mundial. Me recordo de tudo, de uma bola que a Ana Paula arremessou, foi na trave, o rebote veio pra mim e eu marquei. Lembro de uma jogada que eu fiz a movimentação errada e acabei cavando um 7m. Aquele jogo e aquele mundial foi a maior alegria da minha vida”, comentou Hannah.

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Motivada por estar em uma final, por ter garantida a primeira medalha de sua história e impulsionada pelo que seu treinador fez no vestiário, a Seleção Brasileira entrou em quadra e jogou de maneira perfeita. Apesar de contar com uma torcida de mais de 20 mil pessoas ao seu favor, a Sérvia conseguiu a liderança em poucos momentos e nunca por mais de um gol de diferença. “Eu sei que o ginásio estava lotado, que eles gritaram durante os 60 minutos, mas sinceramente eu não ouvi absolutamente nada. Eu queria só o jogo”, disse Alexandra.

O ginásio estava realmente lotado, a torcida gritou muito, mas não pelos 60 minutos de jogo. Os sérvios presentes na arena em Belgrado tentaram empurrar sua seleção durante 58 minutos. Isso porque, nos últimos dois, após os gols de Hannah e Ana Paula, o ginásio se calou. Só se ouvia os gritos de alguns brasileiros presentes e o som do choro das atletas comemorando o feito que era impossível. O mundo do handebol se calou e reconheceu seu mais novo campeão mundial. O handebol feminino ficou verde e amarelo.

Jogadoras e membros da comissão técnica tentaram descrever e definir o que aquela conquista histórica do Brasil representou. Para alguns foi a maior alegria de toda a vida, foi f*da demais, para outros foi a representação de amor e dedicação por um objetivo. Alguns disseram que foi a prova de que nada é impossível. A importância dessa tentativa de definição não é tão importante, a mais relevante de tudo é que desde 22 de dezembro de 2013, o handebol brasileiro pôde celebrar, como se o mundo fosse acabar.

O fator Morten

O técnico Morten Soubak chegou ao Brasil em 2005, para comandar o time masculino do Pinheiros. Por conta do sucesso que teve com a equipe, com títulos da Liga Nacional, Copa do Brasil e Paulista, recebeu o convite para assumir a Seleção Brasileira feminina, em 2009. Com um começo um pouco mais complicado, o técnico dinamarquês conseguiu trabalhar da maneira que achava correta e colheu os frutos.

“Desde o primeiro momento em que estive na Seleção, junto com a comissão técnica, definimos que iríamos manter uma base de jogadoras em todas as convocações. Isso aconteceu no período (de 2009 até 2016)”, comentou o técnico.

Uma das mais experientes do grupo, e capitã da equipe no Campeonato Mundial de 2013, Dara foi enfática ao analisar tudo que aconteceu naquele período e a importância do treinador na maior conquista do handebol brasileiro.

“Tinha que ser com o Morten. Eu já estava na Seleção Brasileira quando ele chegou, trabalhei com técnicos excelentes no tempo em que estive defendendo o Brasil, mas tinha que ser ele. Lembro que logo nas primeiras convocações ele falou que conquistaria uma medalha em um grande campeonato conosco. O incrível foi que todas as vezes que ele podia ele repetia isso. Imagina, um treinador que acaba de chegar em um grupo e fala isso. Mas com o passar dos anos nós passamos a acreditar no que ele falava, até chegar no título mundial”, falou a atleta.

Então melhor jogadora do mundo de handebol feminino, a ponteira Alexandra vê a presença do técnico na conquista importante, mas por conta de outro ponto. “O que mais me marcou do Morten foi a forma como ele trabalhou conosco. Estive na Seleção Brasileira durante muito tempo, passei por alguns treinadores de alguns países e todos queriam que nós jogássemos de acordo com as preferências deles e isso é normal. Mas ele não. O Morten queria que nós fossemos o Brasil. Para ele, o nosso handebol tinha que ser ao nosso estilo, vibrante, intenso, sempre. Isso com toda a certeza foi o que mais me marcou”, comentou Alexandra.

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