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Crônicas Olímpicas

Mais do que rebolar

A primeira vez que vi uma pessoa cagando e andando, ao vivo e a cores, foi durante os Jogos Olímpicos do Rio 2016. Foi uma das cenas mais inusitadas da competição. O francês Yohann Diniz chegou no percurso do Recreio dos Bandeirantes como uma das grandes estrelas da prova de 50km da marcha atlética. Para se ter uma noção, a prova da marcha é considerada a mais desgastante das olimpíadas, com mais de 3h40 de duração.

Antes da largada, Yohann já sentia que iria dar merda. Ele liderava a prova quando sentiu uma dor de barriga, não conseguiu segurar, e as fezes escorreram entre as pernas enquanto ele marchava. Como todas as diarreias, ela chegou de repente e na hora errada. Não julgo, porque todo mundo já fez uma grande cagada na vida. Depois de ficar aliviado, não demorou para o inferno bater na porta de novo. Dessa vez, o francês teve que fazer uma parada estratégica no banheiro. Ele tinha tudo para desistir, mas não se rendeu. Voltou para a disputa.

Quando o atleta pensou que já tinha passado pelo pior, perto dos 40km, Yohann desabou no chão. Desmaiou por alguns segundos. Bebeu água, tirou forças não sei de onde, e completou os 10km restantes e finalizou a prova em oitavo lugar, tendo ficado em sétimo com a desclassificação de outro competidor. A recompensa do francês veio um ano depois, quando conquistou o título mundial da prova, em Londres. A experiência do francês mostra como a marcha atlética não é para qualquer pessoa.

É bem verdade que os atletas brasileiros da marcha atlética sempre cagaram e andaram para o que as pessoas pensam e falam da sua modalidade. Temos uma dívida histórica com a marcha atlética aqui no Brasil. A modalidade sempre foi olhada como a patinho feio do atletismo. Os atletas não são valorizados como os de corrida de rua.

Na contramão, os brasileiros vêm evoluindo no cenário internacional. Prova disso é que os melhores resultados do país no Campeonato Mundial de Londres, em 2017, foram obtidos nas provas, com a medalha de bronze nos 20km de Caio Bonfim, o quarto lugar de Erica Sena também nos 20km e a quinta colocação de Nair da Rosa nos 50km.

O desconhecimento é o grande vilão da marcha atlética. Tudo por conta da impressão de que os atletas rebolam ao marchar. Por muito tempo, Caio Bonfim, principal nome da marcha no país, ouvia absurdos durante os treinamentos nas ruas de Sobradinho, em Brasília. “Vira homem”, “para de rebolar”, “viado”, “vai para casa trabalhar, vagabundo”, eram algumas coisas que ele escutava durante os treinamentos.

Escrevo sobre a modalidade porque a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) discute mudanças no esporte. A ideia dos engravatados é tornar as provas “mais atraentes”. As distâncias para competições de adultos, por exemplo, devem ser alteradas de 20km e de 50km para 10km e 30km, no masculino e no feminino, a partir do Campeonato Mundial de Marcha Atlética de 2022. Outra mudança importante é tecnológica: a utilização de palmilhas eletrônicas RWECS, capazes de detectar se o atleta tem sempre um pé em contato com o solo (uma exigência técnica), a partir de 2021. As distâncias não mudam para o Mundial do Catar 2019 e para a Olimpíada de Tóquio 2020.

Breno Barros, 33 anos, gosta de olhar os diferentes esportes olímpicos de forma leve. Participei da cobertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016, dos Jogos Olímpicos da Juventude de Argentina 2018 e da China 2014, dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, dos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019, de Toronto 2015 e de Guadalajara 2011. Estive também nas coberturas dos Jogos Sul-Americanos da Bolívia 2018 e do Chile 2014.

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