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Crônicas Olímpicas

A inspiração de Marta

Foto: Breno Barros

Fui comprar neste fim de semana uma camiseta do Flamengo para o meu filho de 5 anos. Confesso que não sou fanático por futebol e nem tento empurrar o meu time do coração para ele. Esse foi o segundo uniforme rubro-negro que comprei para ele. E foi para uma ocasião especial: uma festa de criança. Com o tema de futebol, a sua prima Maria Luiza comemorou 9 anos. O campo no quintal da casa no Parque Way, em Brasília, foi tomado por 25 crianças. Meninos e meninas passaram o dia correndo atrás da bola, cada um com uniforme do seu time. Luiza tem energia de sobra, ama jogar bola e deseja ser como a jogadora Marta, 32 anos.

Na última semana recebi uma mensagem no WhatsApp falando que a eterna camisa 10 da seleção brasileira feminina estaria na Vila Olímpica dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Buenos Aires, para falar com os atletas brasileiros. Como eu estava lá, não pensei duas vezes para ir falar com aquela que é um patrimônio mundial do futebol feminino. Se Pelé é o rei, Marta é a rainha. A jogadora tem a consciência de que milhares de Marias Luizas espalhadas pelo mundo olham para ela com a esperança e o exemplo de persistência. Foi assim que a alagoana sentou para conversar com os jovens atletas brasileiros na capital portenha.

Somos o país da melhor jogadora de futebol da história. Uma menina que começou seu sonho nos gramados de Dois Riachos, Alagoas. Na época, mulher e futebol eram palavras que não andavam juntas. Muitos tentaram e tentam, até hoje, pegar carona nas glórias de Marta, eleita pela sexta vez como a melhor jogadora da Fifa (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018). Mas para chegar até onde ela chegou, teve que driblar muitos obstáculos na vida. Porque no dia a dia, as mulheres sonhadoras têm que vencer o preconceito, os olhares tortos e a falta de incentivo.

Durante a conversa com o futuro do esporte nacional, Marta levou uma palavra de esperança. “Lutei muito desde criança para fazer o que eu faço hoje. As pessoas falavam que o futebol não era um esporte para mulher. Eu nunca respondi as pessoas que falavam que eu não poderia jogar futebol. Eu simplesmente entrava em campo e fazia, jogava bola, porque falar não iria ajudar muito. Eu tentava responder na prática. Fico muito feliz em usar a minha história para empoderar as mulheres que enfrentam dificuldades grandes na vida. Porque não é dinheiro, não é estudo, não é status. É uma história de superação que foi vencida por meio da perseverança e da vontade de querer chegar lá”, relembrou Marta.

O esporte é um espelho da sociedade. Todas as dificuldades enfrentadas nas ruas, no mercado de trabalho e nas famílias, as mulheres têm que ultrapassar dentro das quatro linhas. Ao longo dos anos, a presença de atletas mulheres nas competições esportivas tem aumentado. A primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Atenas, 1896, contou apenas com a participação de homens, mas somente agora, em 2018, uma edição olímpica contou exatamente com o mesmo número de homens e mulheres. Nos Jogos da Juventude de Buenos Aires foram 4.012 atletas: 2.006 homens e 2.006 mulheres, todos com idades entre 15 e 18 anos, de 206 países. Nos Jogos do Rio 2016, a participação feminina chegou aos 45,2% (de 11.444 atletas, 5.176 eram mulheres). Para o evento de Tóquio 2020, está previsto que 48% dos competidores sejam mulheres. A igualdade de gênero está entre os compromissos assumidos pelo movimento olímpico mundial no roteiro estratégico da Agenda de trabalho do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Maria Luiza comemorou o seu aniversário driblando meninos sem receio. Os coleguinhas não reclamaram das “canetas” que levaram entre as pernas. Na festa, garotas tiveram as mesmas oportunidades dos garotos. Um sopro de esperança nesse momento de incerteza. A jornalista Cíntia Barlem escreveu certa vez que Marta é sinônimo de Brasil. Um país em que desejo viver, com meninas crescendo com sonho de se tornar jogadoras de futebol.

Breno Barros, 33 anos, gosta de olhar os diferentes esportes olímpicos de forma leve. Participei da cobertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016, dos Jogos Olímpicos da Juventude de Argentina 2018 e da China 2014, dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, dos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019, de Toronto 2015 e de Guadalajara 2011. Estive também nas coberturas dos Jogos Sul-Americanos da Bolívia 2018 e do Chile 2014.

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