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Quarentena faz Maria Suelen começar a mudar o rumo da vida

“Presa” em Santos, judoca afirma com clareza que não pretende entrar em um novo ciclo olímpico após os Jogos de Tóquio, onde tentará buscar a cereja do bolo de seu recheado quadro de medalhas

Maria Suelen Altheman judô marido Danilo Gagliardi
Maria Suelen Altheman e o marido, Danilo Gagliardi (instagram/susu_altheman)

Já são 11 anos de seleção brasileira, tantos outros de judô competitivo. Na loucura da vida de atleta, Maria Suelen Altheman mal conseguia parar para pensar direito na vida. Agora, “presa” em casa por conta da pandemia, enxergou outros rumos para o futuro, perspectivas das quais fala com brilho nos olhos. O caminho do judô competitivo está no final, quem sabe será encerrado com uma medalha olímpica em 2021, e o que vem depois aos poucos vai tomando forma no foco da atleta.

“Depois que passar Tóquio, chega, né?”, cravou, sem hesitações, e de certa forma surpreendendo a reportagem do Olimpíada Todo Dia, já que o bate papo por videoconferência nem era exatamente sobre os planos dela para depois dos Jogos de Tóquio, mas sobre como lidaria com o fato de o próximo ciclo olímpico, entre 2021 e 2024, ser mais curto do que o normal.

A firmeza sugere uma Maria Suelen bem decidida. “Eu tinha na minha cabeça que passando Tóquio, se fosse esse ano, eu ficaria mais um ano, um ano e pouquinho”, explica. “Agora estou pensando em outras coisas. Com a pandemia eu consegui ver a minha vida pessoal, me organizar. Eu vivo tanto isso (judô competitivo), tanto… agora eu falei: ‘caramba, e depois que passar, o que vai ser de mim? O que vai acontecer?’. Então eu já consegui ver outros rumos, ter outra visão da vida também. Porque acabou o judô, acabou. Acabou a seleção, você não quer mais, vão vir outras pessoas mais novas, e a vida continua”.

O que leva Suelen a colocar Tóquio como o (muito) provável ponto final da carreira é a precepção de que em certas coisas não dá para ficar com um pé em cada canoa. “Eu sou casada, morro de vontade de ser mãe. Mas ou você é atleta ou você é mãe”, explica. “Eu quero viver tudo o que eu tenho para viver como atleta e depois viver tudo o que eu tenho para viver como mãe, como mulher, como esposa, como dona de casa. Não quero dividir atenção”.

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Aclimatação para o que vem por aí

A crise sanitária impôs mudanças que fizeram Maria Suelen sentir o que a espera depois que a carreira terminar. Em tempos normais, ela mora em São Paulo durante a semana para treinar judô no Clube Pinheiros e nos finais de semana desce a serra para ficar com o marido em Santos, cidade no litoral paulista. Depois que os clubes fecharam por conta da quarentena, optou por ficar o tempo todo no litoral. Foi aí que os novos interesses ganharam força.

“É tipo uma aclimatação de ficar em casa”, diz. “Eu não ficava tanto, e agora já quer pintar a parede, já mudei meu guarda roupa por cores…”, diverte-se. “Aquelas coisinhas que a gente fica deixando pra depois. Antes eu só estava no final de semana, então vou perder mexendo nessas coisas? Não, né? Vou aproveitar meu marido, aproveitar minhas coisas. Agora não, eu tenho tempo para tudo!”

Tudo ou quase tudo

Porém, antes de trocar de canoa a judoca ainda tem uma missão a cumprir. Apesar do currículo colocá-la como um das maiores peso pesados (+78kg) que o Brasil já teve, ainda falta a medalha olímpica. Chegou perto em Londres-2012, perdeu a disputa pelo bronze, mas nem uma eventual frustração em Tóquio parece ter potencial para fazê-la mudar de ideia e esticar até Paris-2024. “Se não der certo é porque não era para dar”.

Importante ressaltar que o clima não é de resignação, de “tanto faz”. Pelo contrário, é de motivação. “É a única medalha que eu não tenho. As outras que já conquistei e já sou muito feliz”, diz. “Então o que me motiva é fechar com chave de ouro com a medalha (olímpica). Para completar o quadro”.

Maria Suelen Altheman judô pódio
Maria Suelen com o ouro no pódio do Grand Slam da Rússia em 2019 (Marina Mayorova/IJF)

Quando questionada se são as medalhas o que tira de grande prazer da carreira, Suelen pensa um pouco e responde. “Subir no pódio é sempre um prazer, né? As vezes as pessoas falam: ‘ah, mas você não foi campeã’. Não interessa, tô no pódio. São 30 meninas em uma chave para quatro posições de pódio. É lógico que eu treino para ser campeã. Todo mundo treina para ser campeão. Mas estar ali é difícil para caramba! Subir no pódio é difícil para caramba, todo mundo treina muito.”

Teremos uma nova técnica?

Apesar de estar planejando deixar o tatame, a ideia não é se afastar tanto assim dele. Pelo contário, quer ficar bem ali do lado. Isso porque ser técnica, inclusive da seleção brasileira de judô, está no horizonte. “Assim espero. Espero ter muita oportunidade para isso. São tantos anos que a gente fica ali, que acho que temos muito o que constribuir depois.”

Sobre comandantes que teve e são fontes de inpiração, disse que todos contribuiram para que ela chegasse onde chegou. Citou alguns, como Elton Fiebig, Ivo Nascimento e o medalhista olímpico Douglas Vieira, prata em Los Angeles e primeiro brasileiro a fazer uma final olímpica na modalidade. “Eu acho que cada um passa o seu melhor. Pude aprender com todos, desde o meu primeiro, que me preparou, me ensinou a base”.

Curiosamente, foi uma técnica a primeira pessoa que veio à cabeça quando perguntada sobre quem a acolheu quando chegou à seleção. “A Rosi, né? (Rosicleia Campos, abaixo). Chamo até ela de tia Rosi, porque o que ela briga pelo feminino não tá escrito. Ela abraça como se todo o feminino fosse filha dela. Cada uma é uma filha que ela tem.”

Apoio às novatas

Hoje é Maria Suelen Altheman quem abraça a turma que vem chegando. Especialmente Larissa Pimenta, jovem promessa de 21 anos da categoria meio-leve (-52kg) de judô. “Em São Paulo eu moro com a Lari. E só moramos nós duas, então somos muito amigas, conversamos demais. Ela tá vendo agora como é o processo, é cansativo. Consome muito da gente ser atleta. Então a gente conversa muito, tem muito essa troca de diálogo, de experiência”.

“Ela fala de viagem, ‘como você lida tanto tempo viajando? As vezes eu acho que já to cansada’, ela fala”, diverte-se Suelen. “Realmente cansa e é mais mental. Eu digo: ‘Ih, Lari, tem muitas coisas ainda para acontecer”. “Uma complementa a outra, porque as duas estão sozinhas lá em São Paulo, então é companhia mesmo, de conversar de vida pessoal. É muito bom”.

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Suelen e Larissa Pimenta, com Gabriela Chibana no meio (instagram/susu_altheman)

Ainda tem muito chão para Tóquio 2020. Os torneios nem voltaram ainda e a corrida olímpica está acirrada com a jovem Bia Ferreira. Pode ser que Maria Suelen Altheman nem consiga ir para sua terceira edição dos Jogos Olímpicos. Mas um cenário está tomando forma. A partir de 2022, Maria Suelen deve estar em Santos, cuidando da casa, com planos de aumentar a família e de voltar aos tatemes só como treinadora. Resta saber se com a medalha olímpica ou “apenas” com um dos maiores currículos que uma peso pesado brasileira já conseguiu construir no judô. A ver!

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e Santiago

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