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Dez anos após da alegria em Copenhague, o que ficou para o esporte brasileiro?

No dia em que se completa dez anos da escolha do Rio para sede dos Jogos de 2016, é necessário fazer uma reflexão e não se deixar levar apenas pelas belas lembranças

Delegação brasileira comemora a eleição do Rio para ser a sede da Olimpíada de 2016 (Crédito: Ricardo Stuckert/Agência Brasil)

Há exatamente dez anos, quando o belga Jacques Rogge abrir o envelope e mostrar o nome “Rio de Janeiro”, o Brasil entrou em uma espécie de catarse de alegria esportiva como até então poucas vezes havia ocorrido. Naquele 2 de outubro de 2009, o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) anunciava que o Rio havia sido eleito para receber a Olimpíada de 2016.

Era o ponto alto de um sonho que já havia começado 12 anos antes, em 1997, quando o Brasil havia pleiteado receber os Jogos de 2004, que acabaram com Atenas. Uma nova tentativa frustrada veio em 2003, quando a candidatura do Rio de Janeiro acabou sendo eliminada ainda em uma primeira fase, para a Olimpíada de 2012, que foi para Londres.

O problema é que a explosão de alegria em Copenhague com a eleição do Rio, uma década depois, traz hoje pouco mais do que efêmeras lembranças de felicidade, por tudo o que envolveu a realização da Olimpíada de 2016 em nosso país.

A realidade, que insiste em aparecer para colocar nossos pés do chão, traz um quadro bem menos colorido e com requintes de dramaticidade ao chegar a esta data redonda do feito conquistado pelo esporte brasileiro.

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Ao se olhar para o copo meio cheio, podemos listar várias coisas positivas que ficaram dos Jogos de 2016. Hoje temos várias arenas de primeiro nível, que possivelmente jamais seriam construídas sem a realização Olimpíada aqui. A infraestrutura de transporte do Rio, apesar de todos os problemas, sofreu uma modernização que era mais do que necessária.

Por fim, é inegável que foram realizados investimentos governamentais maciços em quase todas as modalidades, com a criação de programas de apoio e outros específicos. Centros de treinamento e novos equipamentos vieram para muitas confederações como reflexo direto dos Jogos Rio-2016.

A análise do meio copo vazio, contudo, traz um quadro bem menos agradável e muito mais preocupante.

Primeiro, pela forma com que o Rio de Janeiro ganhou a eleição. Como assumiu o ex-governador Sergio Cabral, que cumpre mais de 100 anos de prisão por corrupção, foram pagos US$ 2 milhões para que o então presidente da Federação Internacional de Atletismo, Lamine Diack, comprasse votos que assegurassem ao menos a classificação brasileira para a segunda fase da eleição.

Uma maracutaia que, segundo as investigações das Justiças da França e do Brasil, teve participação do principal dirigente do esporte olímpico do Brasil, Carlos Arthur Nuzman. Não foi à toa que após a Operação Unfair Play (Jogo Sujo), do Ministério Público brasileiro, Nuzman passou uma temporada na prisão e, vergonha maior, precisou renunciar ao comando do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

(Ok, antes que alguém reclame, sei que outras cidades também apelaram para métodos nada ortodoxos na eleição do COI, como Tóquio-2020, Salt Lake City-2002 e por aí vai. Mas estamos falando do Rio, certo?)

Potência olímpica?

A turma que comandou o esporte brasileiro prometeu, sem nenhuma base consistente para isso, que o Brasil se tornaria uma potência olímpica após os Jogos. Uma grande cascata. Mudamos de patamar sim, aumentamos a quantidade de esportes que entram nas competições brigando pelo pódio. Mas não se constrói uma nação olímpica em um ou dois ciclos. É necessário um profundo trabalho, incluindo o de revelação de novos talentos, coisa que vem ocorrendo a passos de tartaruga.

Trabalho atrapalhado também porque o dinheiro acabou. Os novos governos do pós-2016 simplesmente botaram o pé no freio nos investimentos. Diversas estatais, que bancavam importantes confederações, romperam seus contratos ou diminuíram drasticamente seus investimentos. As lindas arenas estão praticamente largadas às moscas, subutilizadas. Nem mesmo um órgão para cuidar da gestão do legado olímpico existe mais, após a extinção da AGLO.

Cartolas incompetentes

O resultado de tudo isso é uma outra triste realidade depois daquele mágico 2 de outubro de 2009. Nossas confederações esportivas, com raríssimas exceções, passam por apertos financeiros lastimáveis. Muito por causa da falta de competência de muitos cartolas em se adaptar aos novos tempos com menos investimento.

Alguns destes dirigentes, inclusive, foram apeados do poder, como Coaracy Nunes, nos esportes aquáticos, ou Manoel Luiz Oliveira, do handebol. Tivemos até uma confederação suspensa internacionalmente neste período, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB), que precisou também colocar um novo mandatário (Guy Peixoto) para voltar a disputar as competições.

Quando alguém me fala das saudades da Rio-2016, eu sinceramente comungo deste sentimento, embora não tivesse sido a favor da candidatura na época. O que não me impede de dizer que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em si foram um estrondoso SUCESSO. O público que esteve no Rio de Janeiro entre 5 de agosto e 18 de setembro (abertura da Olimpíada e encerramento da Paralimpíada, respectivamente), amou os Jogos. Poucas sedes olímpicas tiveram um envolvimento tão intenso como aquele.

A conta que ficou, contudo, foi alta demais, pelas dívidas acumuladas do comitê organizador e a situação em que se encontra o chamado “Brasil olímpico”. O sentimento de alegria daquele distante 2/10/2009 ficou, ao menos para mim, como algo efêmero demais. É preciso ter maturidade e sobretudo resiliência para encarar a realidade pouco festiva que temos, dez anos depois.

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