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Das fantasias do pai à Olimpíada: a trajetória de Renato Rezende

Conheça a história de Renato Rezende, que, com a ajuda das fantasias criadas pelo pai para esconder os problemas financeiros da família, superou todas as dificuldades para se tornar um dos maiores atletas de BMX da história do Brasil e representar o país em duas Olimpíadas

Renato Rezende é o maior nome do Brasil no BMX. Único atleta a representar o Brasil em duas edições de Jogos Olímpicos, o ciclista radicado em Poços de Caldas, passou por poucas e boas até se tornar um atleta profissional. Mas, com o apoio do pai, Paulo Rezende, que inventava histórias para disfaçar os problemas financeiros da família, o carioca de 27 anos superou todas as dificuldades para ir realizando todos os sonhos e ter força para seguir atrás de novos desafios.

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O primeiro sonho foi de voar. A família tinha há pouco tempo trocado o Rio de Janeiro por Poços de Caldas. O então garoto já gostava de bicicleta. “Eu não não sabia o que era o BMX, mas eu andava muito de bicicleta com uns três, quatro anos em volta da minha casa”, conta o atleta. O pai levou os filhos para conhecer o parque municipal. Lá tinha uma pista de BMX e foi amor à primeira vista. “Eu entrei para brincar no parquinho com meus irmãos. Eles passaram correndo e eu fiquei na grade (da pista) vendo os caras voarem com aquela mesma bike, bem parecida com a que eu andava em volta da minha casa”.

Vendo que o filho tinha gostado da brincadeira, Paulo Rezende levou Renato para ver mais de perto. “Eu subi com ele, fui no gate (portão de largada) e ele já queria descer. Eu segurei ele e falei: ‘Você está vendo, está todo mundo de capacete, todo mundo com equipamento’. Aí eu vi que tinham dois que se sobressaíam. Era o Elton e o Luciano. Aí eu falei assim: ‘Vai para aqueles dois lá e pergunta se eles querem treinar jiu jitsu, que teu pai é mestre, e eu troco: eles te treinam bicicross e eu treino eles no jiu jitsu’. E ele foi lá”, recorda-se o pai. “Eu queria aprender a voar e eu precisava que alguém me ensinasse isso”.

Renato Rezende aprendeu direitinho e não demorou a superar os mestres. Os primeiros bons resultados vieram cedo. “Com oito eu comecei a competir o Campeonto Paulista e daí eu comecei a querer ficar bom, a querer ser campeão. A categoria era novatos oito anos e eu fui campeão paulista. Desde então, eu comecei a tentar ser um profissional”.

Mas não foi fácil transformar a vontade do menino em realidade. A família não tinha dinheiro para bancar os equipamentos necessários e as viagens para competir. “Era um ‘paitrocínio’ meio louco, né? A gente não tinha condição mesmo. É um esporte caro pra gente manter equipamentos. A gente contava muito com os amigos, que doavam dos filhos que iam crescendo e iam passando sapatilhas, bike, roupas”, conta Paulo Rezende, que passou a criar fantasias para disfarçar as dificuldades e deixar os filhos (o irmão mais novo de Renato, Duda, também competia) tranquilos para competir.

Sem dinheiro para ficar em hotéis nas cidades em que haviam os campeonatos, Paulo Rezende levava os filhos para acampar e dizia que a decisão era tomada porque a força da natureza ajudaria os filhos na competição. A alimentação era quase sempre macarrão com ovo por falta de opção, mas o pai dizia: “Essa é a comida dos campeões”. E os filhos botavam fé no que o pai dizia e seguiam em frente. “Eu nunca soube que era tão difícil ir para uma competição. Ele sempre contava histórias assim. Ele fazia como se aquilo fosse uma história na verdade”.

Renato Rezende vai à semi em Papendal e comemora volta por cimaTeve uma vez que Renato Rezende estava perto de ser campeão brasileiro, mas tinha que participar de uma prova em Pirapora, que fica no norte mineiro, a 780km de Poços de Caldas, para levantar a taça. O problema é que a família não tinha grana para ir. “Eu tinha três contas atrasadas de luz, que ia ser cortada na segunda-feira e a mãe dele falou: ‘Tu não vai pegar esse dinheiro, velho’. Eu falei: ‘Não, eu vou pegar esse dinheiro’. E a gente foi, cara! E aí ele foi campeão”, se recorda.

Na volta, ele foi entrevistado por um jornal de Poços de Caldas e fez a revelação: “Dessa vez a gente teve o patrocínio indireto do DME (Departamento de Minas e Energia). Aí o repórter falou ‘Por que indireto?’ Eu falei: “Porque a gente ia pagar as contas, não pagamos e fomos com essa grana e deu certo e o Renato foi campeão”. A reportagem foi publicada e a família ganhou como prêmio o perdão das dívidas por causa do título conquistado por Renato Rezende.

Quando ficou mais velho, o atleta começou a entender melhor os problemas enfrentados pela família e isso deu ainda mais gana para ele correr atrás do sonho de se tornar profissional. Acostumado a subir no pódio sempre com a cara séria, sem esboçar nenhum sorriso, Renato Rezende mudou de atitude quando enfim percebeu que poderia começar a ajudar a melhorar a vida dos pais.

Divulgação“E aí a primeira vez, em Paulínia, eu não esqueço. Nunca mais eu vou esquecer disso. É uma coisa que me orgulha muito. Ele passou para a Júnior man, uma categoria que já tinha remuneração e ele foi campeão. E ele subiu no pódio rindo. Olhou para mim rindo, eu fiz a foto dele rindo. Eu vi aquilo ali eu falei: ‘Cara, eu vou ter que perguntar. Eu nunca vi você sorrindo no pódio, nunca te cobrei isso, mas por que motivo de agora?’. Ele falou: ‘Agora eu estou começando a minha carreira no profissional e vou poder te ajudar’. Cara, foi ali que eu vi que ele estava no caminho”, se emociona o pai.

E Renato Rezende, que já tinha aprendido a voar, decolou, foi a duas Olimpíadas, sempre sendo apoiado pelo pai orgulhoso. Mas outros obstáculos apareceram pela frente. O atleta chegou até a pensar em desistir, mas sempre teve ao lado o pai, que nunca deixou com que ele desistisse do sonho. “Cara, ver meu pai falando é um sentimento de que valeu a pena. Valeu a pena todo o sofrimento, toda a ralação, todas as lesões, todos os momentos que pensei em desistir. Teve uma corrida que foi ao vivo na Rede Globo e eu ganhei ela. Mas eu não consegui nenhum patrocínio com isso. E eu já era elite. Cheguei no meu pai e falei: ‘Pai, será que vale a pena, cara? Eu não tenho suplemento… Tá difícil e tal’… E meu pai falou: “Vale. A gente já chegou até aqui e vai valer a pena’. Ainda bem que eu ouvi ele. Valeu a pena. Valeu muito. É um sentimento muito bom”, orgulha-se o atleta, que vai em busca agora do sonho de disputar a terceira Olimpíada de sua carreira em Tóquio 2020. “Meu esporte é o BMX. Eu amo isso daqui. Eu amo essa sensação de que qualquer coisa pode acontecer”.

Fundador e diretor de conteúdo do Olimpíada Todo Dia

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