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Vela

Scheidt explica motivos de aposentadoria e revela planos

Após cinco medalhas olímpicas, Robert Scheidt não vai a Tóquio-2020, mas seguirá na vela.

O maior medalhista brasileiro em Olimpíadas não disputará mais a maior competição esportiva do planeta. Robert Scheidt, que já conquistou dois ouros (Atlanta/1996 e Atenas/2004), uma prata (Sidney/2000) na classe laser e mais uma prata e um bronze (em Pequim/2008 e Londres/2012 respectivamente) na classe Star, não irá competir mais em provas olímpicas. Nesta segunda-feira (17), ele concedeu entrevista no Yacht Club, em São Paulo, para comunicar os motivos que o levaram a tomar tal decisão, anunciar seus planos para o futuro, fazer uma análise de seus quase 20 anos voltados a ciclos olímpicos e ainda aproveitou para falar de uma possível carreira de seu filho e comentar o caso do ex-presidente do COB, Carlos Arthur Nuzmán.

A lenda viva de Robert Scheidt sentiu o peso da idade. Aos 44 anos, ele crê que seu corpo precisaria de muito mais treino do que o habitual para se preparar para um ciclo olímpico. No entanto, com todo esse tempo que seria gasto, Scheidt poderá agora usar para passar mais tempo com a família e velejar sem o peso da preparação olímpica nas costas.

Confira os principais trechos do pronunciamento e da entrevista com Robert Scheidt:

Pronunciamento

“Eu venho aqui comunicar que encerro minha carreira olímpica. Foi uma decisão bem difícil. Depois da Rio-2016, eu estava por pouco para ingressar em uma nova categoria, que é a 49er, com o Gabriel Borges- uma classe totalmente diferente, mais radical. Uma mudança muito grande. Mas, eu topei o desafio porque sempre gostei disso. Os resultados não foram assim tão bons, mas a experiência sim. Considerando esse momento da minha vida, entrando numa nova classe, com pequenas lesões, eu não conseguia realizar um volume grande de treinamentos. Isso aliado à minha vida pessoal e às características da classe 49er fizeram eu tomar essa decisão.”

“A coisa mais linda para um atleta é representar seu país em uma Olimpíada”

O que será mais difícil em sua rotina a partir de agora?

“Foi uma carreira maravilhosa. Não me arrependo de nada, claro que eu gostaria de seguir adiante, mas avaliando todos esses pontos e sabendo que pra mim eu quero entrar pra ganhar com chance de ser competitivo, foi melhor deixar a vela olímpica, voltar a velejar em outras categorias e começar a dizer sim para projetos que sempre vinham me chamando. Mas, acima de tudo, é difícil de um dia pro outro não ter mais o objetivo olímpico pela frente. A coisa mais linda para um atleta é representar seu país em uma Olimpíada. O pessoal fala em aposentadoria, mas a palavra é meio dura pra mim…eu quero continuar velejando e não ficar em casa vendo TV. Eu gosto de sair pra velejar e sentir a adrenalina de subir em um barco, isso eu não vou deixar de fazer.”

O físico começou a pesar depois de mais de 20 anos de carreira?

“Com certeza. Todo atleta de alto nível tem algum tipo de lesão e eu, felizmente, não tive nada de incapacitante na minha carreira. Só em 2015, que eu tive uma cirurgia no joelho, mas eu consegui recuperar em 2, 3 meses. Mas, o sobreuso do corpo vai dando alertas. Quando você começa a incrementar o nível de treinamentos, em uma classe 49er, que tem seu exercício totalmente diferente das outras classes, isso mina sua capacidade. Já na Rio-2016, eu tive que dosar meus treinos, por saber que eu não podia treinar como antes, mas por ter muita experiência na classe laser, eu consegui chegar bem na Olimpíada, focando na qualidade.”

Quais são as competições que você tem em vista para o futuro?

“Eu tenho já num horizonte próximo a Stars Sailors League (SSL), em Nassau, em dezembro. Vou competir na classe star, com o Henry Boening, o Maguila. É uma competição muito interessante, são dez que entram pelo ranking mundial e são 15 convidados. Teremos vários medalhistas olímpicos, várias estrelas da vela, vai ser muito legal. Quero velejar mais na classe star ano que vem e estou avaliando possibilidades de velejar em barcos grandes também.”

A carreira de gestor te atrai?

“No momento eu tenho sido chamado para passar experiência para os jovens. Isso me atrai. Pretendemos com o patrocinador promover algumas clínicas de vela ao longo do Brasil, com outros experts do país…Eu não descarto trabalhar em outro tipo de gestão…é difícil dizer não, mas agora não é meu foco. Dentro do alto rendimento, o que eu até já fiz para o COB foi uma espécie de conselheiro para atletas que estavam indo para a primeira Olimpíada deles. Tive conversas com eles sobre pressão, sobre como encarar uma grande competição. E foi bem legal, eu recebi um feedback bem positivo dos atletas que eu bati um papo.”

O que você prevê para seus filhos?

“O Eric, meu filho mais velho, está agora com oito anos. Ainda não está competindo, mas já faz cursos e treina de final de semana. Ele está gostando muito. O que ele puxou do pai é a falta de paciência para vento fraco, mas o bom é que ele não tem medo de vento forte. Ele gosta muito de velejar, de curtir, surfar uma onda. Temos que deixar as coisas fluírem, mas como pai é difícil. Tem que tentar se conter e ficar na torcida para que ele faça isso. A gente incentiva qualquer esporte. Ele joga futebol, já jogou um pouco de tênis também. O importante agora é incentivar e deixar ele escolher o que quer.”

O garoto terá no futuro que escolher entre defender o país de seu pai (Brasil) ou o país de sua mãe, que é o que mora atualmente, a Lituânia. No entanto, Robert Scheidt parece já ter uma estratégia bem definida para essa situação:

“Decisão difícil essa vai ser, porque ele mora lá, mas eu vou tentar puxar ele para o Brasil. Eu vou colar o adesivo do BRA na vela dele logo de cara (risos). A minha esposa é uma das treinadoras do clube lá na Lituânia, então ela fica mais tempo treinando com ele, mas eu também treino de vez em quando…ajudo ele e a turminha.”

Com o fim da sua carreira olímpica, você olha pra trás e qual é a auto-avaliação que você faz?

É muito difícil. Quando eu cresci em Ilhabela, eu não pensei que conseguiria tantos títulos e conquistas. Eu acho que foi tudo feito com muito amor e dedicação. Eu tirei o máximo que eu pude de mim e contei com a ajuda dos meus pais e de muita gente, porque você depende de muita gente para isso. Não se pode voltar no tempo, mas tiveram situações, por exemplo, como em Sidney que eu estive muito perto de ganhar a segunda medalha de ouro, onde faltou um pouco de experiência na medal race. Mas, por outro lado, se eu tivesse ganhado o ouro ali eu não tivesse seguido no laser. Então, há situações na sua carreira que jogam para outro caminho, abrindo outras possibilidades. Há males que vem para o bem.”

Como você vê o futuro da vela no Brasil?

“Martine Grael e Kahena Kunze formam uma dupla fenomenal. Elas tês muitas Olimpíadas pela frente. Mesmo treinando muito pouco esse ano, elas ganharam muitos campeonatos. Certamente depois da Volvo elas vão voltar a treinar e estar no topo lá em Tóquio de novo. O Jorge Zarif também é um atleta muito promissor. Ele vai ter mais uns anos para chegar no auge dele em 2020. Também tem a Fernanda Oliveira, a Patrícia Freitas…A maioria entre 20 e 30 anos, com ciclos pela frente. O ideal é ter mais nomes para puxar essas pessoas aqui no Brasil mesmo. Essa concorrência interna faz o nível subir. Eu tinha o Peter Tanscheit, o Lars, o Torben Grael e isso me ajudou muito.”

Qual sua opinião sobre o que está acontecendo com a gestão olímpica?

“Essas últimas notícias foram grandes surpresas. Eu acho que toda a crise é uma oportunidade de mudança. É o momento de avaliar e fazer uma nova gestão com transparência, com participação maior de técnicos e atletas. A Rio-2016, na minha opinião, foi bem organizada, teve sucesso como Olimpíada, mas essas notícias arranham um pouco a imagem dela. Como atleta, o COB sempre me respeitou muito. A ajuda que nós tivemos nos últimos ciclos olímpicos foi sempre sendo incrementada…hoje temos a Confederação Brasileira de Vela bem melhor. Agora o lado político não vou me envolver muito, até porque eu desconheço.”

Jornalista formada pela Cásper Líbero. Apaixonada por esportes e boas histórias.

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