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Jônatas Castro assume time feminino de goalball de olho no estratégico Mundial

Paraibano de 38 anos dá os primeiros passos como técnico da seleção no que chamou de tiro curto até o meio do ano que vem. Se tudo der certo, terá mais tempo para moldar a equipe a seu modo

Jônatas Castro seleção brasileira de goalball feminino jogos paralímpicos Tóquio-2020
Jônatas durante os Jogos de Tóquio (Takuma Matsushita/CPB)

Foi numa sexta-feira que a carreira do Jônatas Castro no goalball feminino chegou ao ápice. Neste dia, aos 38 anos, recebeu uma ligação da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais, a CBDV, achando que seria até meio trivial. Um “tá todo mundo fora” ou “tá todo mundo dentro”. Mas não foi isso. Ali foi convidado para assumir a seleção. Aceitou e, dias depois, já começava a planejar a estratégia para seu mandato. Nele, o primeiro ponto estratégico é o Campeonato Mundial marcado para o meio do ano que vem.

Recebi o convite na última sexta-feira (24). Os dois primeiros dias foram difíceis de dormir por conta da euforia. Eu não esperava. A gente sabia que a confederação iria fazer uma avaliação do nosso trabalho, normal ao final de cada ciclo, só quando me ligaram para conversar eu imagina que ou todo mundo ia tá fora, a comissão seria dissolvida, ou de estar todo mundo junto e permanecer o trabalho. Eram essas as duas expectativas, não de assumir a seleção, não me ocorreu”, conta. Jônatas era auxiliar de Dailton Nascimento, que estava à frente da equipe até então e comandou a seleção nos dois últimos Jogos Paralímpicos. Em ambos o Brasil chegou perto da sonhada medalha, fechando em quarto lugar tanto na Rio-2016 quanto na Tóquio-2020.

Assim que conseguiu absorver a notícia, colocou a mão na massa e o primeiro passo foi formar a própria comissão. Chamou o Gabriel Goulart Siqueira, da Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe), de Brasília, e Márcio Rafael, técnico da seleção londrinense. O segundo será anunciar a primeira convocação para um período de treinos do goalball feminino no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, em São Paulo, muito provavelmente entre os dias 5 e 12 de dezembro. O primeiro compromisso é o Campeonato das Américas, que será no mesmo lugar, em fevereiro de 2022. Mas o foco mesmo está no Mundial de junho. Ele será um divisor de águas para o trabalho de Jônatas no ciclo até Paris-2024 onde, ele sabe, não pode pensar em nada menos do que o pódio.

Foco em Hangzhou

Jônatas Castro assume em meio ao que chamou de um tiro curto. Tem algumas semanas para definir a equipe que vai ao Campeonato das Américas, classificatório para o Mundial de Hangzhou, na China. Por isso não pensa, neste momento, em muitas mudanças em relação ao grupo que foi a Tóquio. Deve levar sete ou oito atletas para o período de treinamentos em dezembro, muito provavelmente contando com todas, ou quase todas, as atletas que estiveram nos Jogos. “Vai ter pouco tempo pra trabalhar a equipe, então se levar muita gente agora, o que seria até bom para um início de trabalho, mas ia acabar perdendo tempo para qualificar o time para o Campeonato das Américas. E esse campeonato é importante, porque vale vaga para o Mundial, que é importante também. Temos um tiro muito curto”.

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Grupo de Tóquio: de pé, Katia Silva, Vic Amorim, Moniza Lima; ajoelhadas: Carol Duarte, Gaby Assunção, Jéssica Gomes (Wander Roberto/CPB)

O torneio continental dá duas vagas para a competição em Hangzhou. Na Ásia, a briga será por uma das três vagas que o campeonato dá para os Jogos de Paris. Se conseguir uma delas, terá dois anos para, de fato, implantar um trabalho mais amplo de construção de seu time. Se não obtiver sucesso, será obrigado a seguir por pelo menos mais um ano em busca da vaga. Serão mais duas oportunidades. Uma em agosto de 2023, nos Jogos da International Blind Sports Federation (IBSF), a federação internacional dos desportos para cegos. A outra no Parapan de Santiago, marcado para novembro do mesmo ano. “A gente já chegou a convocar onze atletas para treinamentos. Isso fica complicado agora, a não ser que a gente classifique já no Mundial, porque aí vamos conseguir tempo para a preparação.”

O Campeonato das Américas não está no topo das preocupações de Jônatas Castro por conta da diferença de grau de desenvolvimento do Brasil em relação aos outros países. “Se a gente conseguir fazer bons jogos é possível classificar relativamente tranquilo. A grande missão é preparar para o Mundial”. Sendo assim, o continental é visto por ele até como um espaço de avaliação de novas atletas. “Temos uma margem, não precisa estar 100%.” A fala tem respaldo nos fatos. Nas Américas, Brasil e Estados Unidos têm larga margem em relação aos adversários e a seleção norte-americana já está no Mundial por ser medalhista paralímpica, foi vice-campeã. O Canadá também merce destaque, esteve em Tóquio, mas ainda em um patamar mais baixo. Foi o nono e penúltimo colocado com três derrotas e uma vitória, parando na fase de classificação.

Dailton Nascimento Jônatas Castro seleção brasileira de goalball feminino jogos paralímpicos Tóquio-2020
Dailton e Jônatas (Takuma Matsushita/CPB)

Evolução tática

O que Jônatas Castro enxerga ser mais necessário na construção do seu modelo é a evolução tática no goalball feminino brasileiro. “O que ficou claro na Paralimpíada foi o grande avanço tático que todas as equipes tiveram. Antes, os detalhes técnicos faziam grande diferença e nessa Paralimpíada os detalhes táticos fizeram muita diferença. Algo que a gente precisa dar uma modernizada. Como estamos sempre disputando medalha, temos condições, mas se negligenciarmos essa modernização, principalmente os modelos táticos, a dinâmica do time em quadra, corremos um sério risco de sermos ultrapassados por quem está um pouco mais atrás”, alerta.

“A estratégia agora é montar tática por adversário. Temos (Brasil) um modelo clássico, fixo, e vamos tentando encontrar as falhas nos adversários. Agora precisamos deixar um time mais dinâmico em quadra, que não seja tão fácil para o adversário fazer a leitura. Conseguir fazer algumas variações durante o jogo, deixar o jogo mais imprevisível”, detalha. Ele já começou a trabalhar isso, inicialmente analisando o que foi apresentado pelos rivais na capital japonesa. “Já comecei a assistir a todos os jogos da Paralimpíada. Não só os nossos. Tenho assistido repetidamente com mais atenção nesses formatos táticos.”

Vida profissional dedicada ao goalball

O paraibano Jônatas Castro caminhou passo a passo até chegar ao comando da seleção de goalball feminino. A carreira toda foi praticamente só na modalidade, chegou a trabalhar com futebol de 5 e atletismo no início, ainda em Campina Grande, mas foi por pouco tempo. “É um esporte muito dinâmico, muito emocionante.” Ele conheceu as modalidades paralímpicas em 2004, ainda durante o curso superior de Educação Física. Morava próximo à Apadevi (Associação Paraibana dos Deficientes Visuais), em Campina Grande, na Paraíba, e começou a fazer um trabalho voluntário “para tentar entender melhor o movimento paralímpico para pessoas com deficiência visual”.

Lá recebeu um material a respeito do goalball e começou uma ação recreativa, que logo virou uma equipe. No ano seguinte, inscreveu-se em um curso de técnico que seria ministrado por Dailton Nascimento. “Mas como houve pouca inscrição, acabaram migrando a gente para um curso de arbitragem“. Entrou para o quadro nacional de árbitros e, assim, começou a viver o goalball fora de Campina Grande. Em 2007, logo após se formar, mudou-se para João Pessoa e começou a trabalhar com Dailton Nascimento, ainda como voluntário, mas agora na equipe no Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha. “Hoje estou na Apace, a Associação Paraibana de Cegos, que trabalha junto com o instituto”. Em 2014, Dailton assumiu a seleção brasileira e o chamou para ser auxiliar.

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Na memorável sexta-feira, subiu o último degrau na carreira e chegou ao ponto mais alto no goalball feminino. Junto subiram também as responsabilidades e ele mostrou ter ciência plena disso. “A gente já vem de duas disputas de medalha. Ficamos em quarto em 2016, perdemos a disputa do bronze para os Estados Unidos, e perdemos agora também (para o Japão). Se a confederação avaliou que precisava mudar algo, é para dar um passo a frente e esse passo a frente é a medalha. É um desafio que a gente não pode fugir nem se furtar. Temos de assumir mesmo. Estou muito motivado e confiante no trabalho que vai ser feito”, completou.

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e Santiago

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