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“Atleta não aposenta”, conta Jackie Silva 24 anos pós ouro

Primeiro ouro olímpico feminino brasileiro foi em Atlanta com Jackie Silva e Sandra Pires. A gente falou com as duas! Confere!

Primeira medalhista de ouro do Brasil, Jackie Silva está no hall da fama do esporte (COB)

27 de julho de 1996. Essa data ficará para sempre na história olímpica do Brasil pela conquista do primeiro ouro feminino do país. Jackie Silva e Sandra Pires venceram as também brasileiras Mônica Rodrigues e Adriana Samuel na final do vôlei de praia na Olimpíada de Atlanta.

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Por isso, o OTD delas aproveitou o aniversário da medalha histórica em Atlanta 1996 para conversar com Jackie Silva e Sandra Pires sobre temas atuais, as melhores lembranças da conquista no vôlei de praia e, principalmente, a luta em prol das mulheres.

Leia abaixo o papo com Jackie e clique aqui para o com a Sandra Pires

Missão Europa

“Aqui a gente se movimenta muito. Está muito maneiro (aqui na Missão Europa). Muito legal, sabe? Uma experiência incrível. Acho que está sendo bom pra eles e está sendo ótimo pra gente também. Deu um ânimo tremendo essa história. A ideia foi ótima. Os atletas estavam muito tristes de não estar conseguindo trabalhar. Então acho que a paz está voltando.”

Primeira coisa que pensa com o ouro histórico em 1996

“Eu venho falando muito dessa medalha. Esses dias todos eu vim falando. O que me vem forte é uma história de persistência, de determinação, de mudança que deu certo. Sei lá. Tem uma porção de coisas que eu penso. De disciplina. Não sei. São coisas que eu vejo sempre quando eu penso nela, não vem uma coisa na cabeça, mas principalmente uma determinação.”

Trajetória pré-medalha

“Esse é o que eu acho o grande lance dessa medalha. Ela vem de uma passagem. Eu nem pensei. Eu estava no Brasil, eu jogava vôlei de quadra, aí me transformei em uma jogadora de vôlei de praia. Não tinha voleibol de praia nas Olimpíadas e ele vira olímpico. Daí eu volto para o Brasil, são várias coisas que vão acontecendo, e vão dando certo. É isso. É uma medalha que tem uma história. É bem interessante, quando eu já nem pensava mais que se eu queria ou não. Eu nem queria mais ser jogadora olímpica e, de repente, dou uma volta, retorno para o Brasil, me classifico pra Olimpíada (de Atlanta 1996), da a medalha olímpica e é a primeira medalha olímpica. É uma história bem legal, eu conto aqui (na Missão Europa) e todo mundo adora.”

Parceria com Sandra Pires

Jacqueline (Jackie Silva) e Sandra no pódio em Atlanta-1996 (Acervo/COB)
Jacqueline e Sandra no pódio em Atlanta-1996 (Acervo/COB)

“É muito engraçado. Foi um encontro. Um encontro que deu certo. São gerações diferentes, de tudo, de histórias de vida diferentes e, de repente, virou um complemento, uma coisa com a outra. Quando eu faço palestra junto com a Sandra, é muito engraçado, porque a gente vê que as duas viveram o mesmo momento bem feliz, de conquista, de trabalho, mas com olhares diferentes.”

Olhares complementares da dupla

“O meu olhar é totalmente diferente que o olhar da Sandra. O que é muito engraçado. Só agora que a gente faz esse tipo de trabalho que a gente entende. Na hora, você não vê nada disso. As coisas que a gente fazia, essas decisões de não ir na abertura, a Sandra queria me matar na época. Mas foi muito legal, porque as vezes a gente fica querendo encontrar a pessoa que complete a gente. E o que dá certo é uma coisa que não é parecida. E tem tudo a ver. O encontro com a Sandra foi uma decisão super afim. Ela era uma jogadora muito corajosa, uma jogadora disciplinadíssima e muito organizada. O encontro que tinha que acontecer pra dar certo.”

Cerimônia de Abertura? Não, foco era a palavra de ordem

“Eu já tinha participado de duas Olimpíadas. Então eu já sabia decor e salteado que aquilo não tem nada a ver essa história aí. Muito cansativo. Vai antes, fica duas horas lá, ensinam tudo, você fica muito. Demora muito pra você fazer alguma coisa. Acaba água, acaba cadeira, acaba tudo. Depois, pra voltar pra Vila (Olímpica) é uma coisa horrível. Os atletas que são favoritos não se metem nessa enrascada não. É uma enrascada. A Mônica e a Adriana se orgulham que elas desfilaram e foram pra final. É um orgulho, só que elas não ganharam,” brinca Jackie Silva.

Final brasileira no vôlei de praia em 1996

Atlanta-1996 - Vôlei de praia - Jacqueline Silva - Sandra Pires - Adriana Samuel - Mônica Rodrigues - Primeiras medalhistas femininas do Brasil
Brasil dominou o pódio do vôlei de praia em Atlanta-1996 (Divulgação)

“E vira além de tudo uma final brasileira também. É melhor ainda. Porque a imagem é bem forte, porque é uma Olimpíada de mulheres, não foi só a nossa medalha olímpica, tiveram as medalhas do basquete, do vôlei de quadra. Importante é, porque é a primeira medalha de ouro é muito importante. Pode acontecer tudo, mas nós vamos continuar sendo as primeiras.”

“Atlanta teu nome é mulher”

Ana Moser superou uma grave lesão no joelho para ser a líder da Seleção feminina de vôlei na medalha de bronze em Atlanta-1996
Ana Moser superou uma grave lesão no joelho para ser a líder da Seleção feminina de vôlei na medalha de bronze em Atlanta-1996

“Quando eu penso na Olimpíada, eu lembro muito disso. Me vem sempre essa imagem. Vem sempre a imagem das meninas do basquete, as meninas do vôlei. Tem um negócio forte pra caramba para as mulheres nessa Olimpíada. Era pra ser. Não tinha como. Estava na hora. Sabe assim quando está na hora?”

A “briga” prol das mulheres

“É uma medalha que vem com uma história muito interessante. Eu sai do Brasil sem a menor chance de voltar a jogar voleibol pelo país. Sai muito chateada também porque era um posicionamento e esse posicionamento me custou minha carreira. Era uma discriminação escancarada, feia, uma coisa que hoje em dia não passaria jamais. E a vida da uma volta e a gente volta como heroínas.”

Visão sobre o esporte feminino

“Algumas modalidades ainda tem muitas diferenças. Você vê o futebol a loucura que é, o futebol feminino. Assim, eu acho que aqui dentro do Comitê Olímpico do Brasil (COB) eles estão apoiando muito a comissão de atletas. O lugar que tem que crescer mesmo é essa comissão. Por ali que tem que crescer, fortalecer os atletas. Os atletas, principalmente, entenderem o valor deles. Você começa acompanhar a rotina, os atletas são incríveis. Então, esse lado é o caminho. E ali dentro você conseguir discutir esse assunto, valorizar os atletas, as atletas mulheres naquelas modalidades que estão tendo mais dificuldades. Ali é um canal que você pode falar, pode reclamar, que você não se expõe. Porque, às vezes, o atleta deixa de fazer alguma coisa porque tem medo do que pode acontecer com ele. Não acho que vai acontecer o que aconteceu comigo (ser expulsa), mas, muitas vezes, o atleta não tem tanta segurança. É difícil falar, não é todo mundo que fala. Libera da responsabilidade e tem uma comissão que fala por ele.”

A diferença de apoio às mulheres

Jaqueline e Sandra foram as primeiras brasileiras campeãs olímpicas, com o ouro no vôlei de praia em Atlanta-1996 (Crédito: Reprodução/YouTube)

“Essa consciência para discutir o esporte. As modalidades. Mesmo depois que a gente voltou da Olimpíada, como campeãs olímpicas, porque naquela época eles discriminavam a gente, diziam que os meninos eram mais fortes. Que os homens tinham melhores resultados. A gente fazia tudo igual a eles, usávamos a mesma roupa, o mesmo patrocinador e era tudo para eles e pra gente nada. Não era nem menos. Era nada. Depois, quando a gente voltou das Olimpíadas, depois de vencer, o primeiro lugar do masculino era maior que o primeiro lugar do feminino. Nós tivemos que brigar por isso, porque era uma absurdo. Eu acho que isso é uma coisa que você não pode deixar de falar. Existem outros posicionamentos, não só esse, dessa discriminação, mas como outras coisas que rolam,” desabafa Jackie Silva.

União das mulheres pra falar

“Isso é um trabalho de fortalecimento. Você entender que você pode fazer isso. Não é que você pode, você deve. É o contrário. Você deve. Porque isso vai ajudar a melhorar. Não vai ajudar a piorar. A mensagem é essa. O atleta tem que passar esse feedback.”

Esporte é educação

“Esporte é educação. Se a gente conseguir fortalecer nesse ponto de vista, e eu acho que o esporte precisa chegar no lugar dele correto. Ainda não chegou. Ele é uma máquina de educação. Você conhece os atletas e vai ver a diferença que é das pessoas. O que é ser um atleta. É muito forte. Muito forte mesmo.”

Descobrir talentos como Evandro e Talita e missão no esporte

“Estou aqui na Missão Europa dividindo quarto com a Isabel Swan. E a Isabel está vivendo essa transição. É um momento muito delicado, que eu vivi também. Mas, assim, acho que hoje eu consigo entender. Quando você trabalha, quando você cresce no esporte, você quer viver dentro desse ambiente, você faz sua vida ali dentro, não existe aposentadoria. Eu tento explicar isso. Não é uma aposentadoria. São passagens e a gente continua passando. Eu passei do Brasil para os Estados Unidos, da quadra para a praia. E você vai fazendo as coisas e você vai fazendo com a mesma determinação que você fazia quando era atleta. Está dentro do seu DNA. É muito cruel você falar: ‘você não atua mais.’ Então você para, você aposenta. Não existe essa aposentadoria. Existe uma continuidade. Eu tenho um certo olhar para jovens atletas, eu penso quando eu faço os projetos, o que eu acho que era legal pra mim, tento fazer de novo. Tento fazer melhor.”

Sonhos no esporte

“Eu tenho muito uma vontade de fazer com que o esporte, poxa, tenha uma penetração maior nas escolas. Que eu acho um absurdo a gente não conseguir usar isso. Você vai nas escolas e a escola só tem uma bola de futebol. É uma pena. Vou fazendo as coisas. Eu vou indo,” conclui Jackie Silva.

Jornalista formada pela Cásper Líbero. Apaixonada por esportes e boas histórias.

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