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Debate Olímpico

Após traumas, Joanna precisou ressignificar esporte e vida

Após abuso sexual na infância e aborto espontâneo no fim da carreira, Joanna Maranhão precisou ressignificar natação e gravidez para seguir em frente

Joanna Maranhão deixou as piscinas em 2018 (Divulgação)

Ressignificar experiências é um dos nortes da vida de Joanna Maranhão. Em participação no programa Debate Olímpico, uma parceria entre o Olimpíada Todo Dia e o canal Vamos Juntos no YouTube, a ex-nadadora contou sobre as adversidades que precisou enfrentar e superar durante a vida pessoal e a carreira na natação, como o abuso sexual que sofreu de seu treinador na infância e a gestação após perder o primeiro filho em decorrência de um aborto espontâneo.

Joanna Maranhão sofreu violência sexual pelo seu treinador aos nove anos de idade diversas vezes. Ligada ao trauma do abuso no decorrer da adolescência, a então nadadora passou a usar roupas masculinas e adotar cortes de cabelos tidos como de meninos com o intuito de ser vista como um no meio da natação.

“Quando entrei na minha primeira experiência sexual, as memórias do abuso começaram a voltar de uma maneira muito forte e minha relação com a piscina deixou de ser prazerosa. Nesse momento eu entendi que não tinha mais como fugir. Essas memórias vinham na minha cabeça, mas eu me embriagava de natação e dos resultados que estavam vindo. Isso seria suficiente para eu ir tocando a minha vida”, disse a ex-nadadora, que chegou adquirir vícios por conta do trauma.

“Quando eu vi que estava ingerindo muita bebida alcóolica, fumar maconha, não conseguir ir para o treino e tinha compromissos a cumprir, porque já era uma atleta profissional, foi quando eu enfrentei uma terapia e tenho isso muito vivo na minha memória. Foi a primeira vez que eu verbalizei sobre o abuso sexual. Foi um período obscuro porque quando você verbaliza isso, não é como se ficasse mais leve. Fica muito mais difícil antes de ficar mais fácil, são muitos altos e baixos”, acrescentou.

Quinta do mundo

Mesmo com a trauma do abuso sexual, Joanna Maranhão despontou como uma das grandes revelações do Brasil nos 400 m medley. A pernambucana, inclusive, terminou os Jogos Olímpicos de Atenas-2004 na quinta colocação, o que é até hoje o melhor desempenho de uma brasileira na natação das Olimpíadas. As pessoas, entretanto, não sabiam que ela passava por um turbilhão de sentimentos.

“As maiores conquistas da minha vida estão ligadas a ressignificar experiências. Eu passei por um trauma muito forte de ter sido abusada sexualmente pelo meu treinador dentro de uma piscina. Isso refletiu e reflete em mim muito forte. A retomada desse enfrentamento começou após eu ter sido quinta do mundo. Quando o cenário esportivo brasileiro começou a olhar para mim como potencial medalhista para os Jogos de Pequim, eu estava completamente desesperada buscando uma maneira de sobreviver a tudo aquilo que estava relembrando”, afirmou.

Queda de rendimento e problemas de saúde

Após abuso sexual na infância e aborto espontâneo no fim da carreira, Joanna Maranhão precisou ressignificar natação e gravidez para seguir em frente.
Joanna Maranhão falou sobre aborto e abuso (Satiro Sodré/SSPress/CBDA )

Joanna Maranhão teve uma queda brusca de rendimento após Atenas-2004 e deixou de figurar entre as melhores do mundo, mas se recuperou e conseguiu a classificação para os Jogos Olímpicos de Londres-2012. A nadadora, porém, sofria de síncope vasovagal, que acarreta desmaios repentinos e fraqueza por conta da diminuição da pressão arterial. No dia da primeira eliminatória dos 400 m medley, ela ‘apagou’ e bateu a cabeça. A partir disso, a pernambucana passou a trabalhar para que a natação se tornasse algo positivo em sua vida.

“É um processo de autoconhecimento contínuo. Mas eu tinha como norte que a natação tinha que ser uma experiência mais positiva do que negativa na minha vida. Tenho direito de reconquistar isso. Minha meta passou a ser essa. Ao mesmo tempo, era muito frustrante porque eu Joanna, enquanto atleta, sabia que eu poderia conquistar muito mais do que eu conquistei”, afirmou.

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“Enquanto todas as meninas do mundo que nadavam os 400 metros estavam lutando para melhorar seu tempo, estava lutando para me adaptar ao remédio que me deixava 24 horas prostrada na cama. Eu tive que rever meus objetivos e me manter como uma atleta de alto rendimento porque eu queria eu precisava e merecia isso”, concluiu.

O trauma do aborto

Em meio a tantas adversidades, Joanna Maranhão anunciou a aposentadoria da natação em julho de 2018, meses após perder um filho por aborto espontâneo. A partir deste momento, a pernambucana deixa o esporte de alto rendimento de lado e vai em busca de outra meta, ou até mesmo sonho: ser mãe. Mas ela precisaria enfrentar novos fantasmas.

+ Joanna Maranhão dá adeus às piscinas e anuncia aposentadoria

“Quando fiquei grávida pela primeira vez, a minha amiga falou assim: ‘você está grávida? Você pode perder’. Eu fiquei pensando que não iria perder, já tinha passado por tanta coisa na minha vida que se existe uma Justiça divina, ela não vai me deixar passar por essa dor. Sete semanas depois eu sofro um aborto espontâneo. E eu me lembro muito bem de quando eu estava deitada na maca fazendo curetagem. Olhei para a luz que tem nos hospitais e eu falei: ‘Deus, se você realmente está aí, me leva porque eu não quero viver para saber o que vem depois. Estou cansada’. Eu queria só ser mãe, queria ser atleta e passei por tudo que passei, naquele momento eu só queria ser mãe. Foi um período muito obscuro”, revelou.

Ressignificando a gestação

Em janeiro de 2019, Joanna Maranhão anunciou que estava grávida novamente. Menos de seis meses após perder o primeiro filho e lembrando do que sua amiga falou, a já ex-nadadora precisou lidar com um novo trauma. Coube a ela ressignificar a gravidez, assim como fez com a natação.

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“Gestar após o aborto, foi um medo muito grande. Quando eu peguei aquele positivo de novo, eu não me dava o direito de ser feliz. Uma coisa que poderia ser simples ou pelo menos natural não foi. Tive que ressignificar o que é ser mãe nessa segunda gestação. Nos primeiros meses com meu filho, por exemplo, não conseguia deixar ele em outro cômodo e precisava olhar de cinco em cinco minutos se ele estava respirando. Sempre pensava que iria acontecer algumas coisas, porque eu não me dava o direito de ser feliz. Para mim todas as experiências mais fortes da minha vida estão ligadas à ressignificação, tanto no esporte quanto na maternidade”, finalizou.

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