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Pan 2019

A “segunda chance”, a saudade e o agradecimento aos 43 anos

Jaqueline Mourão, da decepção em 2007 para a redenção em 2019: “Eu gosto do desafio. Essa chama e essa vontade ainda estão lá. Enquanto essa chama estiver no coração, eu vou levantar a bandeira do Brasil”

Algo parecia faltar na estante de Jaqueline Mourão. Apesar da carreira longeva e vitoriosa, ela ainda corria atrás do sentimento pleno de dever cumprido, paz e tranquilidade. Qualquer um desses termos aí. Nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, a mineira de Belo Horizonte ficou com a quarta colocação geral do mountain bike e, por pouco, não garantiu um lugar no pódio do torneio. A família inteira estava lá, assim como a avó Aurora.

O sentimento de frustração permaneceu por 12 anos. No Peru, enfim, Jaque conquistou a tão sonhada medalha e quebrou um enorme jejum. Em 2019, não deixou o bronze escapar, brigou até o final da prova e superou as demais rivais no auge dos 43 anos de idade. Desta vez, no entanto, não houve o contato direto com os familiares logo após o torneio. A correria para a montagem do palco de premiação e a distância física interfiram. A fome também. Transcendendo felicidade, a brasileira estampava o sorriso no rosto e demonstrava ansiedade de querer compartilhar o feito com os parentes mais próximos. De alguma forma, Aurora também receberia o comunicado.

“Minha avó já não está mais viva. Ela faleceu há três anos. Foi a minha maior inspiração, mas eu tenho certeza que ela está em algum lugar olhando por mim. A maior frustração da minha carreira foi o quarto lugar nos Jogos Pan-Americanos. Eu queria muito a medalha, na frente da minha família, da minha avó, mãe… Fui quarta colocada. Muito difícil. Me dediquei aos esportes da neve durante dez anos. Voltar, conseguir a classificação para o Pan e ter uma segunda chance de fazer as coisas corretas. Em Lima, foi um turbilhão de emoções ter cruzado a linha de chegada na terceira colocação. Eu fiz uma prova muito boa. Cheguei para a prova tranquila, bem e acreditando em mim. Acreditem nos seus sonhos mesmo que pareça muito difícil”, contou.

(Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)

Jaqueline Mourão é a primeira e única atleta a representar o país nos Jogos Olímpicos de Inverno e Verão. A relação com os esportes da neve surgiu de maneira inesperada, por influência direta do marido. “Os esportes de inverno foram um prato cheio para mim. Foi algo inesperado. Foi em 2005, em maio, eu estava no Canadá já competindo no mountain bike. Quando cheguei em terras canadenses… Neve! Só que o meu marido é atleta olímpico no esqui cross-country. Ele falou “olha, você pode sair comigo, fazer o esqui cross-country. Daqui dois dias essa neve vai embora”. Eu não estava muito animada, não. Era algo muito fora da minha realidade. Para mim, era esporte de princesa. Princesa Diana esquiou na montanha tal (risos). Finalmente, tinha muito a ver comigo. É um esporte ligado à natureza, com subidas e descidas. Com esse silêncio, você tem que colocar o seu corpo ali e aprender a técnica.”

Depois da descoberta, Jaque rapidamente foi atrás da comunidade de esportes na neve. Competitiva que é, também não perdeu tempo para disputar campeonatos relevantes pelo mundo. Era o início de uma nova trajetória. “Até esse momento, eu nem conhecia e nem sabia sobre as Olimpíadas de Inverno. O que foi muito importante foi que eu entrei em contato, descobri que existia a Confederação Brasileira de Desportos na Neve. Falei com o presidente, o Stefano Arnhold, na época. Ele foi super receptivo. Cabecinha de capricorniana aqui. Terminou a temporada de 2005, descobri os critérios para a Olimpíada de fevereiro de 2006 e já comecei a competir. Consegui os melhores resultados pelo meu físico, não pela minha técnica. E um ano e pouco depois de eu ter conseguido conquistar essa vaga para Atenas, que foi tão dura para mim, eu consegui estar em uma Olimpíada de novo.”

https://www.youtube.com/watch?v=CJ3E1Ouw3cg

“O esqui cross-country é um esporte super exigente fisicamente, você está lidando ali com temperaturas muito extremas. É um esporte muito desafiador. Me ajudou em todos esses dez anos em que eu fiquei focada, me ajudou a remodelar o meu corpo, ganhar preparação física. Mentalmente eu fiquei muito forte. Não é qualquer um que consegue enfrentar tempestades de neve, -20ºC, largada em massa, vento. Você está ali para o que der e vier. Eu acredito que o cross-country só me fez mais forte para voltar para o mountain bike acima do nível que eu parei em 2008”, complementou.

Foram seis Olimpíadas disputadas – duas de Verão e Quatro de inverno. Durante o percurso, teve dois filhos. Jornada longa, mas gratificante. Não poderia ser diferente. Agora, com todos os problemas pan-americanos resolvidos, está chegando o momento de parar. “Eu falo que a Jaqueline Mourão de 2007 é bem diferente da Jaqueline Mourão de hoje. Mais madura, mãe de dois filhos. E mais feliz, com a vida preenchida. Poder conquistar essa medalha, essa tão sonhada medalha, de fato é um sonho. Muitas pessoas conseguem se espelhar em mim. Com certeza, eu sou mais forte mentalmente e consigo conciliar dois esportes também: mountain bike e o esqui da neve. Preciso planejar muito toda essa transição. Sempre fui uma pessoa que queria romper barreiras. Primeira mulher a representar o Brasil no mountain bike, primeira mulher a representar o Brasil no Verão/Inverno, primeira mulher a representar o Brasil no triatlo, que foi um super desafio. Eu gosto do desafio. Essa chama e essa vontade ainda estão lá. Agradeço por ter saúde, de estar aqui. Muito agradecida. Enquanto essa chama estiver no coração, eu vou levantar bandeira do Brasil onde quer que eu vá. É sempre uma honra muito grande representar o meu país. Para terminar a carreira, depois de Tóquio 2020, eu quero focar esqui cross-country de novo e tentar minha última Olimpíada, que seria a de Inverno em Pequim. Fechar com o chave de ouro. Ser talvez a única atleta do mundo a participar das Olimpíadas de Verão e Inverno na mesma cidade.”

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