Siga o OTD

Futebol

7ª Copa! Formiga relembra trajetória e fala sobre Seleção

Em entrevista exclusiva, Formiga fala de preconceito e reconhecimento no futebol. Pronta para sua sétima Copa, ela acredita em “volta por cima” do Brasil.

Talvez, você já conheça essa história. Mas tudo bem. As que são realmente boas merecem ser re-contadas. A Miraildes Maciel Mota tem uma dessas. Quando começou no futebol, Formiga, como você deve conhecê-la, tinha dois destinos. O que ela tinha desenhado para si e o que tinham escrito para a jovem soteropolitana. Ela, claro, ficou com o primeiro caminho. Mas vamos começar a contar sua trajetória pelo segundo.

Em meio aos meninos dos campos baianos estava a menina Miraildes. Naquela época, não podia imaginar que aos 41 anos ostentaria 24 deles na Seleção Brasileira de futebol. Ela já sabia, entretanto, que se sonhasse chegar lá, não teria uma trilha fácil. A pressão começava ainda dentro de casa. “Mulher não serve pra isso, tem que estar com a barriga na beira do fogão, cuidando de casa, do irmão pequeno”, lembra Formiga das lições de moral que escutava. Por estar no meio de rapazes, acreditavam, a jovem ia engravidar cedo, ficaria jogada na vida, usaria drogas, entre outras coisas.

Única mulher entre seis filhos, Formiga apanhou muito – no sentido figurativo e também no literal – para provar: eles estavam errados. Hoje, bem resolvida e pronta para sua sétima Copa do Mundo, destaca que a maturidade a fez perceber que, talvez, os “tapas” foram dados como forma de proteção (mesmo sabendo que havia outras formas de protegê-la). Sábia, conseguiu desculpa-los. “Tenho certeza que cada momento que eles me veem na TV, devem pensar o tanto que eles fizeram no começo. Tentaram, de todas as formas, fazer com que eu parasse de jogar futebol”, conta, em entrevista exclusiva ao Olimpíada Todo dia. “Isso poderia até ter encerrado minha carreira de vez, mesmo no início. Acredito que eles se arrependem amargamente”.

Corta a cena para 2019. Contrariando todas as expectativas iniciais de sua família, Miraildes é, hoje, a pessoa que mais vestiu a camisa canarinho na história do futebol brasileiro – entre homens e mulheres. Embarcou, na última semana, para Portugal. É lá que as representantes do verde e amarelo realizarão a fase final de preparação para o Mundial, que será disputada entre os dias 7 de junho e 7 de julho, na França.

VAI QUE DÁ!

Sob o comando de Vadão, a Seleção Brasileira passa longe de sua melhor fase. O grupo vem de uma série de nove derrotas consecutivas. Apesar dos resultados negativos, Formiga acredita que é possível virar o jogo. “Não é fácil. Lógico que nada muda da noite para o dia, mas se todo mundo realmente estiver focado e em um só pensamento, as coisas acontecem, vai muito da vontade”, destaca a camisa 24 do Paris Saint-Germain. “É jogo a jogo, vamos crescer. Vamos melhorar porque, dificuldades, todas já passaram por muitas. Acredito que é possível passar por cima e melhorar”, destaca.

Formiga acredita que é preciso esquecer o que passou e se concentrar na evolução. A insegurança, defende ela, não pode fazer parte desse processo. A alegria, por sua vez, é ingrediente obrigatório para o sucesso. “Querendo ou não, derrotas e derrotas geram muita desconfiança: será que o trabalho está isso, será que tem que melhorar aqui, ali, como um todo”, avalia Formiga. A jogadora ainda destaca que o fato de as representantes do Brasil atuarem em partes diferentes do mundo diminui o entrosamento.

A solução para isso, segundo a atleta do time parisiense, seria ter um maior número de boleiras em terras tupiniquins. O problema, todo mundo sabe: aqui, falta apoio para o futebol feminino. Mas, não dá pra negar, a situação tem melhorado.

Parte disso porque, a partir deste ano, os clubes do Brasil sem um time feminino disputando competições nacionais foram proibidos de estarem na Libertadores. Rolou pressão.  “Infelizmente é obrigado. A gente quer que seja uma coisa por livre e espontânea vontade, por querer, por gostar. Mas já que não é dessa forma, então, vamos aceitar assim. Ajuda, com certeza”, analisa Formiga.  “Eu tenho a esperança de que, um dia, o futebol feminino chegue nesse patamar, para que tenhamos, inclusive, peças para repor na Seleção”.

A evolução na modalidade feminina para o Mundial de 2019 reflete também na televisão. Será, por exemplo, a primeira vez que um canal aberto transmite os jogos da Seleção. Outras emissoras também investiram nesse esporte e disponibilizam o Campeonato Paulista feminino para sua audiência. “A gente sempre pediu o apoio para que a imprensa falasse do futebol feminino. Seja bem ou seja mal, mas que nos colocasse em evidência. Assim, as pessoas ficam sabendo o que acontece com a gente. Temos que fazer um bom Mundial para que as coisas aconteçam, nada vai valer se não tivermos nosso desempenho lá dentro. Precisamos brigar para que as emissoras não tenham interesse só no Mundial e nas olimpíadas, mas também nas outras disputas, no Brasileiro, no Paulista. Eu acho que poderíamos ter uma coisa parecida com o masculino”, ressalta.

VIA DE MÃO DUPLA

Como tudo, a visibilidade não é um mar de rosas. A contramão é a cobrança. “Nossa responsabilidade aumenta”, destaca Formiga. “Por um lado, a visibilidade pode ajudar, por outro, pode prejudicar. Lógico que não temos que pensar na coisa negativa, mas sim na positiva. A coisa que a gente tanto sonhou, temos que fazer por onde pra manter, ou melhorar ainda mais”.

O reconhecimento vem do carinho das pessoas que acompanham seu trabalho, embora, afirme que não o tem tanto em seu país natal. “Eu acredito que não fico chateada, mas eu acho que é uma cultura [a falta de reconhecimento]. É o jeito do brasileiro: fazer homenagem depois que o atleta morre”, avalia. “É uma coisa que não me deixa encucada, não levo isso no peito, ou com mágoa. Muito pelo contrário”.

É NO PAGODE

Depois de 24 anos vestindo o manto brasileiro, não é segredo que Formiga assumiu um posto de liderança dentro do grupo. Ela, entretanto, prefere dividir o cargo. Segundo a atleta, o time não pode deixar pra uma ou duas que têm experiência resolverem as coisas. “Não tem que ter hierarquia. Não é porque eu estou aqui há anos que eu mando e decido. É um grupo e todo mundo tem sua opinião. É importante respeitar a de cada uma e decidir junto o que é melhor”.

Além do perfil de líder, Formiga tem outro papel importante na convivência da equipe brasileira: o de engraçada. “As meninas até ficam assim: pô, no grupo você é super palhaça. Mas quando sai, você é muito séria”, conta. O bom-humor responsável, junto com o espírito de equipe e sua habilidade são elementos essenciais para manter a atleta na Seleção por tanto tempo. “Tenho 41 anos, poucas jogadoras chegaram nesse nível que estou. Acredito que é a entrega, a maneira de trabalhar, a honestidade com todos, ter essa aproximação com a comissão, a concentração no que faço, a dedicação 100% e o amor que eu tenho pelo futebol, tudo isso impacta”, finaliza.

 

Mais em Futebol