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Crônicas Olímpicas

Vale a pena investir no esporte?

Foto: Divulgação/CBCa

No último domingo, eu estava conversando na mesa da cozinha da casa da minha mãe, na hora do almoço, sobre a pauta do dia: eleições. Falamos sobre os candidatos, o que deveria mudar no país e sobre o futuro. Até que a minha irmã perguntou: para que serve o esporte? Porque o governo tem que dar dinheiro para os atletas? Vira e mexe esse questionamento aparece nas rodas de conversa de que participo. Sempre quando alguém questiona, conto a história de um garoto que nasceu na pequena Ubaitaba, no interior da Bahia.

Com pouco mais de 20 mil habitantes, rotina pacata, poucas oportunidades de diversão e de emprego, o município é o Brasil real. O grande ponto de encontro dos moradores é o rio que corta a cidade. Na língua indígena Tupi-Guarani, Ubaitaba significa algo como “terra das canoas”. Canoas que eram meio de transporte, fonte de lazer e integravam a cultura local. Ubaitaba poderia ser uma cidade qualquer no mapa do Brasil se não fosse uma coisa: o esporte.

Entre peladas nos campinhos de futebol e nas ruas apertadas, as crianças baianas gostam de brincar nas águas que cortam a cidade e remar nas canoas, atravessando as margens do rio. Desconhecida na maior parte do Brasil, a canoagem, que sempre fez parte da rotina local, entrou também na vida esportiva e se popularizou no município baiano.

Aos 11 anos, Isaquias era uma dessas crianças que descobriram a magia de navegar sobre uma canoa. O início foi em um projeto social, que usava o esporte como ferramenta de interação entre os moradores. Era 2005. Como toda criança que inicia no esporte, a descoberta no projeto era como uma brincadeira, mas não demorou para a diversão se tornar séria.

Onze anos depois das primeiras remadas, aquele garoto, já com 22 anos, agarrou as oportunidades que surgiram, ajudou sua família e descobriu que existe outros “mundos” fora das fronteiras de Ubaitaba. Foi capa dos principais jornais e sites do país ao entrar para a história do esporte brasileiro ao conquistar três medalhas nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro: prata na canoa individual (C1) 1.000m, bronze na canoa individual (C1) 200m e prata na canoa de dupla (C2) 1.000m, com Erlon de Sousa Silva. Tudo mediado pela canoagem, pelo esporte. Ele chegou onde chegou graças a investimentos governamentais e patrocínio de empresas estatais. Até agora, infelizmente, a iniciativa privada brasileira não mostrou que acredita no poder transformador do esporte.

O Brasil precisa de muitos Isaquias. Nem todas as crianças têm a oportunidade de crescer com playground no quintal. O esporte e o lazer são direitos constitucionais. O governo tem o dever de garantir o acesso. Cortar investimentos na área esportiva restringe oportunidades e limita sonhos. O esporte é uma oportunidade de sonhar, mudar de vida e de evitar problemas de saúde. Precisa entrar nas planilhas de Excel dos burocratas na coluna de investimentos, não de gastos. Na de prioridades, não de supérfluos.

Investimento é acreditar. Apostar que uma simples iniciativa tem o potencial de mudar vidas. Como mudou a trajetória de Isaquias. Mais do que pódios, prestígio ou fama, a maior conquista do jovem baiano foi proporcionar uma melhor condição de vida para os familiares, crescer como cidadão e se tornar exemplo para tantos outros brasileiros. Acredito, como dogma, que é para isso que serve o esporte.

Breno Barros, 33 anos, gosta de olhar os diferentes esportes olímpicos de forma leve. Participei da cobertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016, dos Jogos Olímpicos da Juventude de Argentina 2018 e da China 2014, dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, dos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019, de Toronto 2015 e de Guadalajara 2011. Estive também nas coberturas dos Jogos Sul-Americanos da Bolívia 2018 e do Chile 2014.

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